Daniel Campos

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Quatro paredes

Os batimentos cardíacos parecem mais nítidos. O silêncio, definitivamente, está encarcerado. O espaço é pequeno. As pernas, por mais que queriam, não conseguem ir além de três passos. E os passos andam e andam, em círculos, e estão sempre no mesmo lugar. Depois de gastar os pés no concreto áspero e mal acabado do chão, o corpo decide sentar-se. O cansaço é de angústia. Não há mais sapatos embebidos de cera, calças finas, camisas de mangas cumpridas... O que existe são trapos e um corpo exposto. As lembranças surgem ao meio das baratas que ficam paradas nos dos cantos que me cercam. A barata me olha com olhos de sabe-se lá o quê. Não sei se elas sentem alguma coisa ou se elas só desejam um farelo do pão que quebra no canto da boca. Queria ouvir alguma música, mas meus discos estão mudos. As palavras estão caladas. Daqui não vejo a lua em nenhuma de suas fases, apenas um tucho negro invade o ambiente. O cheiro de mofo aumenta a cada aparição dessas sombras. Nas encostas já há alguns musgos que crescem viçosos. Do meu lado, amarrado por correntes, os ossos de um romântico que dizem ter morrido de amor. Amou quem não podia. Amou como não podia. Amou quando não podia. Dentre tanta miséria, um copo de cristal ainda resta em minhas mãos. O cristal fino e frágil. O copo, que não sei se vazio ou cheio de sangue, continua debruçado sobre a poeira. Chega! Não irei mais inventar histórias para traduzir a solidão de quatro paredes a qual eu me condeno... O meu sul é uma parede de pedra. O meu norte tem tijolos. O meu leste tem rachaduras. O meu oeste tem teias de aranha. Quatro paredes de um mundo que por mais que eu tente escapar, romper, pular, derrubar... Prendem-me à ilusão da mulher amada.


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