Daniel Campos

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Primavera de esperas

Primavera. Oficialmente, os calendários manifestam a estação mais esperada pelos apaixonados de carteirinha. Consciente disso, mas não sei se por isso, ela tinha um sorriso mais farto no rosto. Na mesa de centro, um jarro com alguns copos de leite. Eles não precisavam da primavera, davam quase o ano todo, mas na primavera pareciam mais vistosos, mais brancos, nascidos de algum seio. E ela adorava copos de leite.

Gostava também de ir ao armário embutido do seu quarto e sair de lá com um vestidinho leve e florido, com umas sandálias rasteiras e com uma fita no cabelo. Saía caminhando por sua rua à sombra dos ipês amarelos que não existiam ali. Como sonhava com aqueles ipês. Sentava-se à sombra de uma árvore que além de não ser ipê não dava flores. E ficava por ali, à espera de alguma inspiração de primavera. Quem sabe o vento lhe soprasse a melodia de uma música e ela pudesse ir ao piano. Piano que não tinha. Quem sabe escrevesse algum poema, mas nunca escrevera um verso sequer. Quem sabe surgisse um grande amor, mas ela sabia que grandes amores não se esperam.

Como fruto de um feitiço, de uma praga, de uma maldição, ela sabia que se esperasse por um grande amor ele não chegaria nunca. Tentava lidar com isso e entregava-se aos caminhos que o destino lhe desenhara. Mas a primavera lhe trazia novas ilusões e ilusões não se controla. Ficava um tempo ali, às rodas do ipê, depois ia a um restaurante natural na calçada seguinte. Tomava um suco de mamão com laranja e comia uma daquelas saladas de flores comestíveis. Tudo muito colorido. Fazia isso independentemente da estação.

Mas a primavera era a época ideal para receber um vaso de flores. O romantismo parecia germinar pelos seus poros. Não tinha jardim em casa, a nuvem de concreto lhe tirara toda a possibilidade de flor. Há tempos não via uma abelha ou um beija-flor. Ficava olhando o jarro com os copos de leite, ouvia jazz e nem percebia que a primavera era ela.


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