Daniel Campos

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Pombal

São dezenas. São centenas. São milhares de pombos. Pombos do ar, da cidade, das migalhas. Pombos que infestam as praças. Pombos que se assentam nos fios da eletricidade. Pombos brancos, pombos pretos, pombos acinzentados, pombos esverdeados, pombos machados, pombos mesclados, pombos riscados, pombos sujos e imundos, pombos contagiosos e epidêmicos. Pombos que comem grãos, frutas, sementes e lixo. Pombos de coco verde e mal cheiroso que tingem o asfalto, as camisas dos executivos que passam e os cabelos das moças que namoram no meio da rua.

Os pombos descem e sobem como uma arrevoada de pragas bíblicas. E, no meio de um canteiro, cobrem o corpo de uma mulher. Eles pousam sobre os braços abertos, as pernas eretas, os ombros finos da mulher que emerge e submerge nos pombos. Fica ali como se fosse um ramo, uma pedra, um ninho de carne. E ela conversa com eles numa linguagem de arrulhos.

Os machos lhe fazem referência e acariciam sua cabeça e dividem uma massa regurgitada como prova de amor. As fêmeas se enlouquecem de ciúme. Quem passava ficava admirado e assustado e apavorado. A cena era passível de pesadelo nas cabeças mais conservadoras. Que a internem! Que matem os pombos! Que os deixem pra lá! As opiniões eram mais diversas, mas era impossível passar com uma opinião despercebida.

Assim como os pombos traziam uma parasita em sua plumagem, a alma-de-pombo, a mulher trazia também uma paixão como hóspede. Uma paixão que não a prejudicava, mas que era fatal para quem se apaixonasse por ela. Essa parasita levava o ser amado a definhar de desejo e loucura.

Os ratos-do-ar tinham naquela mulher uma espécie de pombal. Tinham ali sua morada. E, em troca, a mulher cochichava versos os ouvidos das aves que, como pombos correios, levavam suas declarações de amor aos amantes mais longínquos. Quantos os homens que amavam aquela mulher sem nem conhecê-la. A paixão, como uma parasita, internava-se nos amantes e crescia devastadora.

Ninguém conseguia se aproximar da mulher por conta dos pombos. E ela tinha um pacto com eles, sabia que se deixasse de ficar ao seu lado, eles poderiam , com o bico vermelho, curto e fino, devora-la em questão de segundos.


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