Daniel Campos

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Pensamento

O tempo levanta escuro. Um cinza quase negro. O vento se mostra selvagem. Vira de um lado, vira de outro. Não sossega. Como um cavalheiro, dobra a cintura das árvores em sua dança. Como um sedutor barato, parece querer abocanhar todas as folhas. Folhas verdes. Folhas vermelhas. Folhas amarelas. Folhas rodopiando no ar. Vez ou outra, um barulho de manga caindo no chão. Em meio aquele vento, nem as abelhas conseguem se sustentar no ar e assim, rodopiam. Venta. E o vento varre as águas do lago. Sereias e botos se escondem. Venta. E o vento vasculha cada palmo de terra, descoberto ou não. O vento parece procurar alguém. De repente, uma nuvem de poeira passa apressada, com medo de se molhar. Os olhares se enchem de céu. Um céu que ronca. O medo de chuva de pedra. Trovões. Os cachorros se protegem como podem. As cigarras mais abusadas ainda cantam. As portas batem. Os pedidos para que a chuva venha calma se proliferam. Os relâmpagos e seus clarões iluminam os rostos. Por alguns instantes, alguns rostos surgem como há tempos não se via. Já há quem providencie panelas para capturar as primeiras goteiras. Já há quem queime palma benta, jogue sal grosso no terreiro, invoque a proteção de santa Bárbara. E ela, a chuva, chega. Primeiro, um chuvisqueiro prematuro. Uma pausa. Depois, ela se entrega. O vento ainda carrega suas águas. O pó se cala no chão. A terra escorre suculenta. As nuvens se cruzam ligeiras. De repente, um pássaro se arrisca num vôo solo. O tempo fechado como poucas vezes fora visto. O horizonte some. A chuva que desaba no lago é a mesma que se transforma em algumas gotas numa teia de aranha. Alguns conversam, outros se aquietam e deixam seus olhos correrem para aquele mar de ponta cabeça. Olhos piratas que velejam em busca de alguém.


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