Daniel Campos

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09/10/2008 - Pausa poética no cotidiano

Cotidianos carregam concreto nos andaimes. Cotidianos lavam carros no meio-fio. Cotidianos arrastam vassouras. Cotidianos passam apressados com pastas, bolsas e celulares tocando, despertando, falando. Cotidianos digitam números, contam dinheiro, carimbam documentos, entregam panfletos, fazem anotações técnicas, nada poéticas. Cotidianos correm. Cotidianos malham. Cotidianos duelam contra seus próprios limites. Cotidianos se sufocam. Cotidianos discutem com o computador. Cotidianos decifram livros, códigos, fórmulas. Cotidianos aparam a grama. Cotidianos têm tantos planos que sempre caem no mesmo jeito cotidiano de ser.

Cotidianos só queriam ser anos de prazer, de bem-querer, de outro-fazer. Cotidianos queriam parar e ver o sol e, tirar a roupa e ver a banda passar. Olha lá, entre picaretas e caretas de exaustão, a batida da banda. São seis ou sete integrantes brotados do chão. E tão logo surgem, já se avista um cordão. Uma verdadeira confusão nas rotas da rotina. São escriturários, são flanelinhas, são operários em construção. São atores sem tempo nem espaço. São mulheres de fibra e homens de aço no mesmo refrão. Cornetas e tambores vão desmontando o cotidiano e erguendo uma nova construção.

As pedras portuguesas da calçada invadem o asfalto negro. Os prédios se afastam pra lá dando lugar aos passistas. A roupa é fantasia, o cada é alegórico e a chuva é confete. Nada mais é real, tudo é de uma poesia sobrenatural. Os foliões da banda vão transformando escritórios, bancos, lojas, barracas em uma imensa avenida de carnaval. E nesse cordão não há lugar para relógios, folhas de ponto, contracheques, compromissos e outras realidades. Ao menos, por agora. E agora é pausa poética no cotidiano dos cotidianos.


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