Daniel Campos

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20/10/2008 - Ópera do operário

No alto da construção, com uma lata de concreto na cabeça, o operário olhou o mundo ao seu redor e chorou de soluçar. Peito em pranto, a lata balançou, o andaime tremeu. Entre tijolos e vergalhões, dobrou os joelhos, como se o céu lhe pesasse sobre os ombros e rezou mesmo sem saber rezar. Agradeceu, confessou seus pecados, pediu proteção e, sem saber o que aconteceria dali por diante, tentou voar. Abriu os braços, respirou fundo e, em feitio de asa-delta, saltou da laje.

Diante de seus olhos, uma criança revirava uma lata de lixo, uma mulher era espancada pelo companheiro, uma senhora era roubada em mil cruzeiros, um bêbado dormia pela sarjeta, um menino queimava uma pedra de craque, um jovem deixava os estudos de lado, uma garota era violentada sem amor, um homem abria a carteira vazia em troca de pão, uma vizinha fofocava com outra sobre a vida de alguém, um senhor chorava a dor e a falta de remédios, tratamentos, cuidados e, sem direção, um moço estendia a mão em busca de uma esmola...

E aquela construção, de concreto armado, não o impedia de ver tudo aquilo. Ao contrário, colocava-o no meio daquela multidão desesperada, que não mais vivia, caminhava. E o operário não agüentou olhar tudo aquilo calado. Quis gritar, mas foi sufocado. Quis correr, mas foi derrubado. Quis se esconder, mais foi flagrado. E agora abria os braços e voava esperando a morte chegar. Quem sabe do outro lado, fosse mais do que um simples operário da fome, da miséria, da violência...


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