Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
15/07/2011 - O homem que se perdeu

Ele não tinha mais nada para perder, quando se perdeu. Se não tivesse perdido a própria história, era uma vez o homem que se perdeu de vez. Já havia perdido mulher, trabalho, dinheiro e a memória. Vivia solitário numa espécie de ilha quando perdeu o coqueiro, o horizonte e o mar. Suas vontades, seus desejos, seu gostar caíram pelo caminho. Ficou sem carinho, sem cama, sem quem ama, sem o vinho que tanto gostava. O homem que entoava canções de um tempo sem fim ficou num silêncio da cor de carmim.

O pai perdeu os filhos, o trovador perdeu os estribilhos, o sonhador perdeu os espartilhos e seu trem perdeu os trilhos. Perdeu a fome, perdeu a sede, perdeu o nome, perdeu a rede. Perdeu tudo o que podia e também o que não podia perder. Perdeu na primeira e nas demais pessoas das conjugações do verbo perder. Perder de sofrer, perder sem querer, perder por merecer, perder por fazer, perder por perder. Perdeu a hora, perdeu o espaço, perdeu a fé e o passo perdendo até a lágrima que chora.

Perdeu o ritmo e o segredo do logaritmo. Perdeu o segredo e o medo de tudo que há. Perdeu seu lugar. Perdeu a alma de dentro do corpo. Perdeu o corpo para um destino torto que já ia perdido. E de tanto perder virou falecido antes mesmo de morrer. De perda em perda foi perdendo o viço, o vício, o reboliço que lhe empurravam pra frente. Perdeu até mesmo a oportunidade de ter o futuro diferente de um perdedor, porque já havia perdido o amor próprio e o amor alheio nos campos de centeio da saudade.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar