Daniel Campos

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04/10/2008 - O homem dos olhos vazios

Tinha o corpo alto, os olhos vazios e os braços longos. Sua magreza era de fome. E faminta era a solidão que mordia sua canela. Reza a lenda que ele pertencia à inteligência da polícia e, por amor, abandonou tudo. Ou melhor, por desamor, tudo lhe abandonou. Não era à toa que despertava medo, asco, náuseas e outros sentimentos não muito bem quistos em quem o via, o ouvia, o sentia. O mundo, diante daquela caricatura, fugia. Fugido do hospício de si mesmo, não hesitava em desmascarar a normalidade das coisas.

"O rei Dom Sebastião está voltando para nos salvar!!!", grita pelos corredores do mundo sem portas, no qual ele ainda podia transitar livremente. Na ponta de sua língua, frases, à primeira vista, sem pé nem cabeça. A falta da mulher foi substituída pela bebida, pela cocaína, pela suposta loucura. E ele não queria esmola. E ele não queria um copo. E ele não queria misericórdia. Queria a mulher que fugira com sua lucidez por esse Brasil de aquarelas e favelas.

Não dizia coisa com coisa, mas era de uma verdade capaz de incomodar qualquer um. Passava aos gritos, mas nada era mais ensurdecedor do que o silêncio que arrastava vida afora. E sua loucura era viral, construtora ou destruidora de sonhos, ideologias, rotinas. Caminhava, contaminando a utopia com sua realidade, enquanto remendava uma colcha com os retalhos de ilusões, paixões e emoções alheias que encontrava pelo caminho. Nas noites frias, esta colcha esfriava mais do que o próprio vento frio que varria seus olhos vazios.


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