Daniel Campos

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26/10/2014 - O barco e dona Mocinha

O barco da morte chega pra perto dos zóio de dona Mocinha, que espia tudo de sua cadeira encostada no pé da janela. E ela vai vendo aquela embarcação engolindo as ruas de pedras, as beiradas das casas, os cachorros vira-latas que são cortados pelo casco daquele navio antes mesmo de latirem seu latido de fome. Dona Mocinha não tem medo. Já enfrentou de tudo nessa vida, de tuberculose a marido beberrão. É pequenina, dos ossos tortos, mas valente que só. É como vela que queima enfrentando a boca do vento. E depois de tanto choro derramado e queimado, desses que queimam por dentro chamuscando a alma, ela vê sua chama se esvaindo. O barco com os corsários negros se aproximam. Na proa, gente que ela não via desde o caixão. E estão lá, felizes, acenando para ela. Fica ressabiada, mas acena de volta. Sabe que não vai poder fugir daquelas águas. E mesmo se quisesse suas pernas já não têm firmeza para correr. Também não há para quem gritar socorro. As filhas já cuidam dela pelo amor de deus. Mesmo com céu limpo, dona Mocinha enxerga a tempestade que traz aquele barco. Seus olhos se enchem de uma água salgada, as mãos firmam nos braços da cadeira e ela suspira lembrando que quando mocinha queria ser marinheira das histórias de pirata que ela ouvia dos livros que nunca soube ler.


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