Daniel Campos

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O ato de acreditar

Brasil: três milhões de crianças que, hoje, trocam as aulas pelo trabalho. Brasil: 50 mil crianças trabalhando no lixo. Revirando, revolvendo, remoendo o lixo. Brasil, quantas as suas crianças que não sabem o que é ser criança?

Crianças violentadas. Crianças abandonadas. Crianças desenraizadas. Crianças prostituídas. Crianças sem fantasias. Crianças vitimadas. Crianças fora de contexto. Crianças de uma vida favelada. Crianças no exílio das letras. Crianças entregues à maldição de ver a infância e não poder sentir o seu sabor. E o que será do adulto gerado a partir dessa falta de criança? Será esse o retrato de cidadão que o Brasil quer ter?

Se o futuro está na criança e na educação, por que não cruzar os dois caminhos? O Brasil só vai poder ser o país moderno que julga ser a partir do investimento em uma educação básica. ?A criança e o adolescente têm direito à educação?, segundo o art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, a realidade parece não ouvir o que dizem as letras presas ao papel e o direito à educação ecoa como um sonho distante.

Se as crianças não estudam, o problema não é simplesmente a falta de escolas públicas. Tangemos, agora, para a raiz do problema. O tempo que seria dedicado aos estudos é preenchido com trabalho. O problema não está na falta de vontade por parte da criança, porém na crise financeira em que ela se depara no seio da família, onde é vista como mais alguns reais no orçamento. Crianças não carregam brincadeiras, carregam responsabilidades. Portanto, a luta não é somente pela educação, pela preservação dos direitos da criança, a luta é pelo combate à pobreza e à exclusão social. A educação é a única ferramenta capaz de realizar uma transformação na estrutura da sociedade, ou seja, uma revolução pedagógica. Uma luta que é política, civil e moral.

Ter a criança como missão é assumir o desejo de mudar a realidade. Uma realidade que incomoda. Uma realidade que fere não só os direitos da criança, mas o direito da condição de humano. Abandonar a criança do gozo de ser criança é negar a base de toda uma vida. E uma vez na escola, não basta dar a ela um caderno e um quadro negro repleto de anotações. Crianças não são meros objetos de ensino. A cultura que a criança traz com ela para dentro da sala de aula deve ser estruturada a partir do seu universo cultural. De nada vale a criança ser alfabetizada e ter a sua essência transformada. A escola deve semear liberdade, igualdade e vontade.

A escola não deve ser apenas o sinônimo de um lugar onde a criança está segura da perversão das ruas. Um lugar onde se aprende a assinar o nome. É de fundamental importância à escola ser o ventre das relações sociais. O contato aluno-aluno e professor-aluno é uma forma de se apaziguar a miséria efetiva que povoa essas crianças. A escola deve valorizar a infância dessa criança, deve ser a responsável pelo encontro de universos, o interior e o exterior, fazendo-a se formar enquanto criatura humana.

O governo tem os seus deveres. Todavia, enquanto a educação não for elevada à condição de um projeto coletivo, não podemos esperar qualquer ação governamental. E por menor que seja a nossa ajuda, devemos ter consciência de nunca pode ser considerado menor o ato de acreditar.


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