Daniel Campos

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18/06/2011 - No limite da janela

Não deixa a janela aberta para que eu não me vá junto ao vento serenado à boca da noite. Se quiser manter a temperatura dos nossos sonhos estável não abra a janela porque lá fora pode não ser primavera. E daí, minha cara, como ficam as nossas flores? No entanto, mantenha os vidros limpos para que possamos saber o que existe lá fora. Só não esqueça, depois de terminar de limpar do lado de fora, de fechar as tramelas de modo a não permitir que eu sinta o cheiro do mar, dos jardins de hortelã, das damas da noite.

Não abra a janela para que nossa distância não aumente, para que eu não resolva montar no primeiro pássaro ou me jogar nas velas dos veleiros. Deixe-me apenas como parte da moldura dessa janela que dá para o outro lado do mundo. Um mundo anônimo, repleto de mistérios e segredos. Um mundo com nove luas, com árvores de marrom glacê, com deuses andando na calçada e com donzelas tocando violino nas esquinas. Um mundo com ruas de açúcar, com nuvens de ambrosia e flores de pistache. Um mundo de guache.

Não, para que eu não me renda à tentação, não abra a janela. Reforce os cadeados, instale grades, blinde os vidros. Afaste-me desse sentimento estrangeiro, que me convida a tê-lo mesmo sem falar a minha língua. Afaste-me da janela, pois lá fora há um turbilhão de poetas tecendo o entardecer. E a tarde, feita com esses tons de batons, parece tão aconchegante. Sei que tudo não passa de uma visão delirante, mas parece tão real. Se abrir a janela, o suicídio é certo. Por isso, se ainda me quer por perto, povoe de oásis o meu deserto.


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