Daniel Campos

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09/07/2008 - No inferno não há estrelas

O rádio da viatura policial chama naquele conhecido tom de interferência. O que não se poderia imaginar era que o prenúncio de noite anunciado no céu fosse trágico ao ponto de ninguém olhar estrelas. Um dos policiais sufoca o pedal do carro com seu coturno e acelera. O outro pensa no dia horrível que teve e procura o tal suspeito, criminoso, bandido. Pelas ruas da mais carioca das cidades começam a perseguir um carro preto. A sirene grita ora vermelha, ora azul, abrindo caminho naquele final de domingo. De repente, um carro reduz a velocidade e encosta no meio fio. Será que os bandidos iriam se render ou preparavam uma armadilha para os policiais?

Atirar primeiro, perguntar depois. Essa é a lógica que impera no Brasil de todos. E é desse modo que os policiais disparam uma, duas, três, dezesseis vezes contra o carro parado. A lataria não resiste. O vidro não resiste. A vida não resiste. Uma bolsa de criança é jogada pela janela traduzindo os preceitos de bandeira branca. Mas os policiais, que estavam escondidos atrás de um poste e de uma árvore, vêem aquilo como uma ameaça e continuam a cuspir fogo. Sem piedade, uma das balas, ao cumprir sua trajetória apocalíptica, acerta a cabeça de um menino de três anos. Era o primeiro de outros dois tiros que calariam aquele que, no jardim das rosas, se chamava João. Aquele tiroteio fere também a mãe daquelas crianças. Daquelas? Isso mesmo. Um bebê de nove meses escapou ileso da ação desastrosa.

Que perseguição é essa? Um taxista, vendo aquela confusão, segue sua corrida dominical ganhando um extra para o aniversário de quatro anos de seu filho. O que ele não podia imaginar é que não haveria mais festa de aniversário. E onde foram os bandidos? Será que o carro era um clone do outro? É claro que não. Para começar, o carro vítima do fuzilamento era cor grafite. O modelo também era diferente. Mas como diz o ditado antigo, à noite todos os gatos são pardos. E é nesse tratamento igualitário dado a mocinho e bandido que o país segue produzindo uma nova injustiça a cada esquina. Às 20h10 do dia seguinte os equipamentos que mantinham o coração do pequeno João batendo, foram desligados. Depois disso, quem é que iria se preocupar com o céu. No inferno não há estrelas.


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