Daniel Campos

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10/05/2014 - Nina, com amor

Nina, obrigado por na tarde do meu nascimento você ter ficado ao lado de minhas duas avós nas escadas da maternidade com um terço nas mãos. Obrigado por sempre me abraçado como neto. Obrigado por ter guardado a vida toda lembrancinhas do meu nascimento e dos meus primeiros aniversários. Obrigado pelas mesas fartas de café da tarde e pelas conversas na varanda. Obrigado pela emoção de depois de cinco anos no auge de sua doença ter tido uma injeção de realidade e ter me reconhecido. Nunca vou me esquecer das lágrimas de não acreditar que eu estava ali para vê-la.

Foi sofrido demais lhe ver naquelas condições. Não deu pra segurar o choro. Doeu muito ver uma mulher de aparência frágil, mas sempre hiperativa, numa cadeira jogada ao léu. Mais dia menos dia vai saber tudo o que eu chorei por aquele encontro, que eu sabia que seria o último, e pela minha impossibilidade de poder fazer qualquer coisa pela senhora para além de preces e vibrações positivas. Saber que a senhora passou fome, que não tinha quem a levasse para frente da casa para olhar a rua como sempre gostou, que precisava implorar por um banho mexeu muito comigo.

Ver a senhora sozinha naquele casarão com dois filhos criados e ainda assim implorando para ser internada numa casa de repouso para ter o mínimo de dignidade me fez pensar tantas coisas. O que vale à pena, de fato? E como me revirou ouvir da sua boca que a senhora tinha morrido há quase dois anos quando se foi aquele ao qual se referiu como o amor de sua vida. Naquele instante eu perguntei “Ah! Dito, por que o senhor partiu e deixou Nina assim? Não é justo para um amor tão cheio de mistérios e forças que não me cabe explicar ou entender”...

Vou sentir muita saudade daqueles seus olhos que sempre me foram tão doces, da sua capacidade de velejar horas e horas a fio por uma prosa tão boa e até mesmo do seu jeito desaforado e espontâneo de falar, com as palavras e palavrões que viessem à cabeça. Desta vez não lhe vi com as pérolas que sempre lhe acompanharam. Desta vez a piscina e o pomar de tantos sabores ao fundo não faziam mais sentido. A senhora já não fazia mais parte daquele cenário que era povoado por tantas lembranças. Eu vi tantas coisas ali que já não existiam...

Quando eu soube da notícia de sua partida, mais uma vez agradeci aos céus pela oportunidade de vê-la naquele fim de tarde de uma quarta-feira. E eram as quartas, Nina, que eu costumava ir a sua casa para tardes tão agradáveis. Eu tenho acostumado nos últimos tempos a fazer últimas visitas a pessoas que significam muito para mim. Ver a senhora por mais uma vez foi puramente coração. Que em breve possa estar junto de seu amado e que juntos possam, na companhia de meus avós, riscarem o céu nos famosos bailes da saudade do Clube da Vila São José.

Muito obrigado por tantos bons momentos e ensinamentos; e que por meio das preces e do amor deste seu neto torto possa encontrar o quanto antes seu caminho de luz e paz.


Comentários

10/05/2014, por Paulinha:

Querido poeta achei lindo esse texto, de fazer chorar. Meus sinceros sentimentos.


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