Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
11/07/2011 - Não confunda os pássaros

O pássaro quando vai cantar não carece de cenografia, de efeitos especiais e de outras carestias. O pássaro, quando sabe cantar, simplesmente canta como que se fosse sorrir ou chorar. O pássaro não usa maquiagem não veste figurino ultrachique não dá chilique porque ele só quer se alimentar e sua música é sua comida, seu apetite. Cantar, para o pássaro, é tão simples como voar. Cantar, para quem, de fato, sabe cantar, é tão simples como sonhar mais um sonho.

O novo álbum de Caetano Veloso e Maria Gadu é assim, dois pássaros sem asas fazendo do palco o seu céu. Dois banquinhos e dois violões, duas vozes e dois corações. Não há necessidade de dançarinas seminuas, de imagens reproduzidas em telões, de laquê, buquê e fumacê. Não há motivo para esconder a atração principal porque os pássaros sabem cantar de verdade, da forma mais simples e pura que há, como se cantassem para voar, como se sonhassem para cantar.

Há quem nasça pássaro e faz valer sua natureza. Já há quem queira ser pássaro a qualquer preço. Falsários que se viram pelo avesso, iludindo, mentindo, confundindo... Não são pássaros de dentro para fora como Caetano e Gadu, que cantam sem fazer força nem cantam à força. Pássaros que voam e levam quem os escuta a voar com eles em torno de uma lua lilás, de um sol vermelho, de um tempo fugaz. Caetano e Gadu, pássaros raros, espécies originais do viveiro da melodia.

Um viveiro que fica bem longe da estrada da hipocrisia.

Canta, canta Caetano como canta um sabiá. Canta, canta Maria Gadu no alto de um pé de jacarandá. Canta, canta Caetano como canta um Martim Pescador. Canta, canta Maria Gadu semeando flor. Canta, canta Caetano como canta um canário da terra. Canta, canta Maria Gadu como se cantasse um sentimento que não se encerra. Canta, canta Caetano como canta um rouxinol. Canta, canta Maria Gadu como canta um pássaro ao nascer do sol.

Canta, canta sem frescura. Canta, canta o milagre da cura. Canta, canta numa mais que completa formosura. Canta, canta Caetano, pássaro cigano. Canta, canta Maria Gadu, como canta o anu. Seja o anu pássaro ou o anu deus do céu dos assírios e babilônicos, num dueto caetânico e sinfônico. Canta, canta, canta passarada uma toada pra gente se encantar. Canta, canta, canta passarinho um abre-caminho pra mor da gente passar. Canta, canta, canta passareio levando a gente pro seu meio.

Canta, canta, canta, canta, canta, canta passarim como se seu cantar, seu voar e seu sonhar, não tivessem fim.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar