Daniel Campos

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03/06/2012 - Nanã salubou

Nanã trouxe a chuva quando tudo era sertão. A chuva, sangue de Nanã, apagou o fogo, apagou o pó, apagou a morte. A chuva de Nanã devolveu a cor às almas desbotadas. Chuva lilás. Chuva arroxeada. Chuva ametista. A chuva de Nanã veio sem avisar, sem pedir licença. Chegou e choveu. Chegou chovendo. Assim é Nanã, a velha ousada que mora no pântano e governa a chuva. Não foi tempestade de Iansã. Foi chuva mansa, que cala fundo na terra e forma a lama de Nanã que molda novos homens, novas mulheres.

Nanã trouxe a chuva quando a chuva já era desacreditada. Nanã chegou atiçando os pagadores de promessa. Nanã chegou sem vento nem trovão. Nanã chegou para madurar as frutas, para engrossar os rios, para matar a sede dos que tem fome de chuva. Nanã é o pasto que cresce e engorda a boiada da criação. Nanã é a chuva que lava os santos-olhos, que cava corações, que tatua nosso corpo com os códigos do tempo da chuva. Nanã é a língua da chuva, é o desenho da chuva, é o movimento da chuva.

Nanã trouxe a chuva acabando com o racionamento de pensamentos. Nanã trouxe a chuva orvalhando os lábios secos de desejo. Nanã choveu nos cálices do destino. Nanã tirou cheiro do mato, das pedras, das cobertas. As sombrinhas roxas são de Nanã, mas é de Nanã quem toma banho de chuva. A chuva de Nanã caiu lá na curva da estrada. A chuva de Nanã levou o barquinho na enxurrada. A chuva de Nanã trouxe nitidez à tarde turva. Nanã apareceu, choveu e o mundo se esqueceu da poeira. Nanã chegou e salubou.


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