Daniel Campos

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31/08/2013 - Medo da carrocinha

De ponta de pé, ela abriu a porta do quarto e caminhou até a cama, que tinha a forma de cachorro. Sim, ela era apaixonada por esses seres que faziam au-au desde que engatinhava por entre os filhotes de beagles de Juju, que, já há sete anos por ali, sentia-se dona da casa. Esticou seus olhares de tom de canela por debaixo da cama, pelo interior do armário e pelos rodapés de seu quartinho que era guardado por bonecas.

Sim, toda vez que ela saia pedia para que aquelas criaturas de pano e de plástico tomassem conta do lugar não permitindo que o bicho-papão ou qualquer outra assombração colocasse os pés por ali. Não que ela não confiasse nas bonecas, mas precisava conferir se estava tudo bem seguro com seus próprios olhos. Feita a inspeção, pulou na cama que imitava uma pelagem de cachorro deitando num travesseiro que reproduzia a orelha de... um cachorro.

Tudo no seu mundinho girava em torno dos cães. Até na apresentação de final de ano do prezinho fez o papel de um cachorro falante. Vestiu fantasia e arrancou aplausos e gargalhadas. E adorava quando a noite caia mais fria para andar pela casa com sua pantufa de cachorro. As histórias preferidas contadas por seu pai eram sobre cachorros que eram príncipes ou guerreiros. Passava horas conversando, ainda trocando as sílabas, com dona Juju e seus três filhos Lulu, Kalu e Zebu.

A mãe disse que não era bom chamar o cachorro de Zebu, mas a filha, ainda inocente, insistiu. Assim como insistia que entendia tudo o que eles falavam com ela. E se alguém duvidasse da proeza, em dois tempos a menina armava um berreiro e até confusão. O padre, muito amigo da avó da garota, foi convencido a batizar “de mentirinha” os caninos. E quando eles faziam aniversário, a família toda tinha que cantar parabéns. Era de lei que todos os dias alguém a levasse, em companhia dos cachorros para passear no parque com roupa apropriada à estação.

Porém, seu reino estava ameaçado desde que sua irmã mais velha disse que havia ligado para a carrocinha vir buscar ela e aquela cachorrada. Desde então, anda ressabiada no alto de seus quatro aninhos. Ainda mais depois que soube a carrocinha é pilotada pelo bicho-papão e que os cachorros capturados viram sabão. Tratou logo de avisar os beagles e de pedir que as bonecas redobrem a guarda. E além de conversar com as bonecas, faz questão de pedir para que a fada dos dentes, a cinderela, a bela adormecida, a chapeuzinho vermelho livrassem-na da carrocinha.


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