Daniel Campos

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17/12/2012 - Maria Penélope Charmosa Cecília

Eu não a vi nascer, mas é como se tivesse visto, pois nos meus sonhos, desde criança, sempre fui pai de uma menina vinda de um reino encantado. Eu não a carreguei no colo, nem embalei seu sono, mas é como se eu tivesse a levado comigo por esse tempo todo, contando histórias de ninar, cantando cantigas de roda. Eu não escolhi seu nome, mas é como se ele fizesse parte da minha memória auditiva.

Eu não testemunhei momentos que marcaram o início da sua vida, como as primeiras palavras, a boneca preferida, o som de sua gargalhada quando bebê; também não a vi arrastar pelo chão, não engatinhei com ela, não a ajudei a andar de bicicleta, porém, de um modo ou de outro, eu tenho essas imagens todos imersas no meu inconsciente. De alguma forma ainda não explicável, participei desses e de outros instantes...

Eu não preparei sua mamadeira, mas tento compensar isso com lasanha, farofa de cenoura, frango empanado... Eu não vi seu primeiro dente cair, mas já briguei com dentista por causa dela. Eu não fui ao seu primeiro dia de aula, mas já a salvei de uma gangue de alunos que queriam “tocar o terror” com ela. Eu nunca li um livro da branca de neve ou da cinderela para ela, mas já a ajudei com algumas lições de casa e matérias para prova.

Eu não estive presente no grande ato em que ela deu o seu primeiro passo, mas estava ao seu lado no primeiro vôo. Eu não empurrei seu carrinho de bebê, mas já dirigi, feito piloto de fuga, para lhe levar e buscar de festas. Eu não espantei o bicho papão que morava debaixo de seu berço, mas acredito piamente em todos os seus fantasmas. Eu não a vi com um daqueles sapatinhos de crochê de recém-nascida, mas já a observei caminhando de all-star e de salto alto com a mesma meninice.

Ao encontrar a mulher amada, minha bela Marilene, ela, como prova de amor, me presenteou com uma filha cheia de magias e manias, de fitas e laços, de alegrias e fantasias. E eu nem precisei esperar nove meses para isso. Num de repente, ela tornou-se parte de mim. Tanto que eu só quero seu bem e, quase sempre, só digo sim a ela. Ela forjou em mim a dor, a aflição, a angústia, a intensidade, a loucura típica dos pais. Lembro-me de quando inverti os papeis e pedi a ela, com todo medo, a mão de sua mãe em namoro.

Já a vi de cabelo preto, loiro, vermelho, rosa, (...), de maria-chiquinha, de emo, de rabo de cavalo, de franjinha... Em pouco tempo de convivência, testemunhei tantas mudanças e ciclos dessa menina. Agora eu sei a razão de dizerem que os filhos crescem depressa demais. Por mais que ela tenha crescido, continua com o mesmo semblante de menina da primeira vez que a vi numa Festa de São João. Enquanto muitos mais ganham a filha em uma maternidade, a cegonha trouxe a minha numa festa junina, com fogueira e canjica. Uma filha que nasceu para mim de lápis de olho, blush, rímel, esmalte...

Maria Cecília é a filha que eu sempre quis ter, sem tirar nem por. Uma boneca mimada, levada, encantada. Uma mistura de jujuba com trovão. Uma versão contemporânea da Penélope Charmosa. Uma menina que pinta, que borda. Uma garota que passa horas e horas em frente ao espelho, que fecha os olhos em filme de terror, que entra em outro mundo ouvindo música, que transforma a vida num faz-de-conta, que faz estrogonofe dia sim dia não, que fica emburrada num segundo e se acaba de rir no outro, que sonha ser maquiadora já sendo.

Uma menina que, mesmo frágil, sabe me nocautear quando me chama de paizinho ou papidrasto. Eu que já pari dezenas de romances, centenas de contos, milhares de poesias acabei, de certo modo, com o passar dos anos, dando à luz a uma filha de carne e osso. Pode parecer bobagem, mas eu encontro muito dela em mim e de mim nela. O nosso DNA é construído de outro modo. Não temos o mesmo sangue, mas temos o mesmo sentimento, a mesma imaginação, a mesma capacidade de transformar o mundo num lugar fantástico e misterioso, repleto de criaturas mágicas e tesouros.

E como eu não acredito em coincidências, devo confessar, com muito orgulho, que já deparei com alguns textos dela em que a fantasia se impõe, ganhando contornos poéticos tão familiares aos meus olhos...

Observação do autor: Uma homenagem ao aniversário da minha filhota.


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