Daniel Campos

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02/08/2011 - Mais sobre a saudade

Há saudade por toda parte. As fábricas de saudade estão funcionando a plenos pulmões. Produção em massa. No entanto, a saudade artesanal ainda é um artigo bastante cobiçado. Saudade de gente famosa e anônima. Saudade pública e coletiva. Saudade individual e oculta. Saudade inédita e centenária. Saudade sacra e promíscua. Saudade supérflua e necessária. Saudade confidencial e exposta como uma fratura.

Saudade, saudade, saudade. A todo o momento, em qualquer parte. Saudade como bem de consumo, como droga, como arte. Saudade em seres presentes e ausentes. Saudade amarga e, ao mesmo tempo, tão doce. Saudade franca, amorosa e desinteressada. Saudade dissimulada, odiosa e egoísta. Saudade rústica e pomposa. Saudade acidental ou objeto do próprio destino.

Religiosos, políticos, operários, diplomatas, nobres, plebeus, estrangeiros, viúvas, empresários, mocinhas, heróis, bailarinas... Há dentro de cada um uma carga de saudade. Uma carga imensa e transbordante. Uma saudade que nos faz manter os pés no chão, dobrar os joelhos ao tempo e sentir medo. Vivemos com medo de ser tragados por essa saudade que aumenta dia após dia.

Temos saudade do ontem, do anteontem, do trasanteontem e, até mesmo, do hoje e do amanhã. Somos, com nossas aflições e incompletudes, com nossos corações amiúdes e nossas imperfeições, o alimento predileto da saudade. Atenção: ela pode até se comportar como um bicho de estimação, mas a saudade é uma fera prestes a devorar cada um dos espaços vazios que se formam em nós.

A saudade é uma espécie de úlcera, de parasita, de possessão. A saudade é a liberdade e o cárcere, pois ela liberta com a mesma intensidade que aprisiona. A saudade não tem cura ou perdão. Na verdade, nem sabemos que é saudade. Por isso somos vítimas fáceis. Por detrás do nosso rosto, da máscara ou da carranca do nosso cotidiano, a face da saudade. Uma face que sangra, que medra, que seduz.

Há dias em que não conseguimos olhar no espelho, com medo da saudade. Há dias em que não conseguimos nos desvencilhar do nosso reflexo, como se estivéssemos subitamente apaixonados, sem medo de parecer piegas ou tolo diante dos olhares da saudade. A saudade é um jogo, uma arma, um templo. A saudade é o último degrau do inferno antes do paraíso. A saudade é o eterno, o mistério, o divino que há em cada um.

A saudade é o tudo, o todo e o nenhum.


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