Daniel Campos

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02/01/2015 - Luz azul

Tão logo a noite do sul caiu as estrelas se jogaram uma a uma aos pés da mulher que passa por retas curvas como um farol. E eu, barco perdido no oceano das paixões, com todas as bússolas interiores girando em falso, fui ao encalço daquela luz perfumada de azul. Uma luz de porte que cortava como lâmina estrelada, afiada e brilhante como as previsões da morte. Eu não sabia se ia ao seu encontro ou se fugia, ainda tonto, depois da última surra dos piratas do norte. Quanto mais avançava, mais aquela luz me atiçava. Como sereno, suava, chorava, cravava meus olhares naquele raio que se jogava aos meus braços. A luz tinha tudo para ser trêmula, incerta, imprecisa, mas era certeira. Chegava como holofote fazendo com que aquele mar bravio, salgado rio, se transformasse no palco do meu monólogo. Diferente das criaturas que morrem caladas, eu cantava o meu fim na esperança de uma reviravolta no rumo daquelas ondas sonoras de silêncio. E fechando os olhos eu ouvia o riso denso vindo daquela luz. Podia sentir seus seios, seus leites, seus deleites, seus anseios, seus enfeites... Nem a tempestade de sentimentos que volta e meia me colocava em naufrágio impedia de eu sentir cada fio de seu cabelo, cada arrepio de seus pelos, cada desvio de sua pulsação. E no mar-alto da minha solidão eu, nu de qualquer medo, confessava em segredo os meus pecados e amados àquela luz que me transformava num remo da cabeça aos pés. Um cego fazendo da luz a sua fé.


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