Daniel Campos

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Lula, roberto carlos e ofélia

Por que a vida tem essa cara séria, emburrada? Onde está a magia? Será que ela foi embora? Quando pequenos, ouvíamos aquelas histórias, aquele mundo de faz-de-conta que com o passar dos anos perde força. Não que se queira viver no cenário dos três porquinhos, mas será que a magia é restrita às crianças? E os adultos? Os adultos sufocam essa magia dentro de si à medida que as responsabilidades pesam, mais e mais, em seus ombros. A magia adulta é quase uma coisa marginal, proibida, descabida. Ela se concentra no amor, mas viver de amor, nos dias de hoje, é quase impossível. O mundo mágico da infância só volta na velhice e, infelizmente, de forma inconsciente, através de alguma esclerose.

Mágico não é só um coelho branco sair de uma cartola. Mágica é a noite que passa com seu vestido negro. Mágico é o vento sem rumo que lambe nossos cabelos. Mágico é andar na chuva sem se importar com nada. Mágica é uma vela acesa, sozinha na escuridão, em frente da imagem de uma santa. Mágico é uma árvore se vestir de jabuticabas. Mágico é um cachorro correndo pelo mato. Mágica é a valsa de dois corpos. Mágico é um maranhão no céu, uma rosa em outra mão, um violão solto pelo ar. O quanto de magia não existe perdida por aí? O quanto de magia não existe no olhar de quem se gosta?

Alguns falam que é isso ou aquilo, mas o mundo está em crise porque falta magia. Falta magia nas esquinas, nas festas, na política. Política. Tudo parece muito chato, muito técnico. Chega a dar sono. O que rege a política, nos dias de hoje, é a economia e o universo econômico é racional demais. Faz falta aquele Lula dos palanques que acreditava dar ao Brasil a cara do povo. Lula que sonhava com um dos mundos mais fantásticos já criados pela mente humana: o comunismo. Mas a realidade cria interesses e interesses deformam o sonho. Pena que não passou de um sonho. Onde está aquele Lula que fazia um povo descrente acreditar que a felicidade era possível? Aquele Lula dos discursos enérgicos, aquele Lula das grandes multidões, aquele Lula que nascia do povo. Onde está aquele Lula? Será que o tempo o venceu? Será que seus sonhos, hoje, têm preço? Será que a magia acabou?

Magia. Um bilhete, um perfume, uma viagem, uma música. A magia e a música. Quem nunca se encantou e se deixou levar pelo piano de Tom Jobim, pela irreverência de Caetano Veloso, pela voz de Roberto Carlos. Ainda mais quando ela, a música, serve de ponte para lhe levar a um mundo que não volta mais. Quantos não viveram a bossa-nova, a tropicália, a jovem-guarda? Meus pais começaram a namorar ao som da jovem guarda. Roberto cantava ?por isso eu corro demais?, Wanderléia sussurrava ?gatinha manhosa? e Erasmo Carlos arrebentava com ?festa de arromba?. Tempos de yê, yê, yê. Tempos em que realidade e fantasia se confundiam. A magia da namorada, do carrão, do beijo no cinema... Para onde foi esse mundo mágico? Não pode ter ficado restrito aos discos. Não pode ter ficado encarcerado dentro de quem o viveu.

As magias continuam. É o tempo que nos endurece, a ponto de querer que sejamos feitos de pedra. Quem sabe Lula não volta a ter a magia de antigamente. Quem sabe a magia da jovem guarda não volte. Quem sabe. Parece loucura, porém, em certos instantes, a vida parece possível. Momentos em que mesmo numa tarde de sol, há chuva. Enquanto milhões se desesperam com as coisas da realidade, eu vejo o sol ganhar ares de chuva. O cheiro de café se espalha pelas histórias do tempo dos meus avôs. Café e bolinho de chuva da vó Ofélia. Magias como essa, quebram o corpo de pedra e trazem à tona a poesia. Quem sabe...


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