Daniel Campos

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11/05/2011 - Grilado

Não me fale mais nada, somente ouça meus grilos. Ouça os anjos e demônios que se esfregam em minha garganta como as pernas de um grilo. Não me espanta eu ser o ventríloquo de um ser que desconheço. Falo e não me convenço do que digo. Eu sou a voz que escurece o dia, a voz que rasga a fantasia, a voz que amadurece o figo. Eu sou a voz que vem de longe, que esconde um segredo, que treme de medo. Eu sou a voz dos grilos que cantam em estribilhos. Eu sou a voz do trem que vem faiscando nos trilhos. Eu sou a voz daqueles que se ajoelham no milho. Eu sou a voz que ecoa pelo asilo. Eu sou a voz da noz que come o esquilo.

São tantos grilos grilando em mim. São tantos andarilhos numa andança sem fim. Andando pelos meus pêlos, pelos meus apelos, pelos meus neurônios, pelos meus axônios, pelos meus tecidos, pelos meus umbigos, pelas minhas veias, pelas minhas teias... Andando e assoviando e atormentando e cantando nos meus sótãos e porões. São grilos me grilando numa grilagem sem tamanho. Grilos graves, agudos e até fanhos. Grilos incessantes, pedantes, vibrantes. Grilos caudilhos da revolução. Grilos de gatilho. Grilos formando um rastilho de pólvora na minha cabeça. Grilos meus, seus, nossos e de nenhum de nós.

Grilos de travesseiros e lençóis, grilos acompanhados ou sós, grilos que me dão voz. E eu sou a voz dos grilos, dos grilados, dos grileiros. Eu sou a voz dos exilados, dos prisioneiros. Eu sou a voz do brilho que já não brilha. Eu sou a voz que sapateia sem sapatilha. Eu sou a voz das milhas. Eu sou a voz da armadilha. Eu sou a voz que corta feito serrilha. Eu sou a voz que lidera a matilha. Eu sou a voz que dificulta a trilha. Eu sou a voz da quadrilha. Eu sou a voz que se ouve depois de um copo de tequila. Eu sou a voz que lhe coloca na fila. Eu sou a voz que provoca a quizila quando tudo está tranqüilo. Eu sou a voz do grilo que grila.


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