Daniel Campos

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20/07/2008 - Eu quero o meu recesso!!!

Assim como os nobres parlamentares, também quero o meu recesso! Não só eu o quero, como também o lavrador que coleciona calos nas mãos, a lavadeira que lava roupa todo santo dia, o pedreiro que conta as horas de trabalho nas fiadas de tijolo que sobem diante de seus olhos de concreto, a dona-de-casa que passa e limpa e lava e cozinha sem folga, o escriturário que se sufoca de papéis e processos, a malabarista do sinal vermelho que une arte e esmola em uma mesma sobrevivência.

Nada mais justo do que deixar quem realmente trabalha descansar um pouco. Não quero pedir demais, apenas 15 dias agora em julho. Duas semaninhas já estavam de bom tamanho para valorizar essa gente que vive sob o chicote do ter de trabalhar. Nada como uma recompensa para a imensa obra destes artistas do laboro para renovar a alma e quebrar uma rotina estafante. Além dos benefícios próprios, esses dias de descanso trariam enormes vantagens coletivas. O recesso desafogaria o trânsito, fortaleceria a relação familiar, reascenderia o amor... Ah! Quanto se namoraria nesses dias... Para os apaixonados, a oportunidade de uma nova lua de mel.

Esses dias de recesso ainda incentivariam o turismo e a vida cultural e social deste país que amanhece e anoitece trabalhando. Pense: quinze dias sem assinar ponto ou bater cartão. Mas é preciso atentar para um detalhe importante: assim como acontece com os parlamentares, o nosso recesso seria remunerado, com direito a passagem aérea e outras cositas más. "O país vai parar!!!" Eis o que esperneia os senhores e as madames que não querem ver seu exército de escravos em posição de descansar. Mas o recesso geral seria ótimo para o desenvolvimento do país.

Além de revitalizar a criatividade e o fôlego dos que estão na ativa, colocaria a mão de obra parada ou desempregada para trabalhar nesses dias. Seria uma vaga temporária, mas uma oportunidade ímpar de levar um dinheirinho para casa e voltar ao mercado de trabalho. Quinze dias agora e também no final do ano, além de um mês de férias garantidos por lei. E que nenhum juiz viesse falar de ilegalidade ou que nenhum deputado ousasse mencionar inconstitucionalidade. Afinal, os primeiros têm, além do recesso de final de ano, dois meses de férias. E os segundos, férias, recessos, décimos quarto e quinto salários. E olha que não sou um desses extremistas, apenas luto pela igualdade de direitos.

O recesso seria o começo de uma mudança na doutrina trabalhista deste país de poucos. Depois, poderíamos pensar na redução nacional da jornada de trabalho. Defendo seis horas de trabalho ao dia sem diminuição de salário. E isso não traria atraso algum para a nossa pátria mãe que anda tão pouco gentil com seus filhos. Divididos em dois turnos de seis horas, os trabalhadores teriam mais qualidade de vida e o país, um importante impulso em seu desenvolvimento. A miséria seria extinta. A população empregada praticamente dobraria. O analfabetismo seria extinto. Haveria mais tempo para ler, para estudar, para crescer intelectualmente. Até mesmo o medo da segunda-feira seria extinto.

Tudo parece tão simples de ser pensado e feito, mas porque ninguém o fez até este exato momento? Simples, porque interessa muito mais aos donos do poder político e econômico deixar o país andando aos trancos e barrancos do que possibilitar o surgimento de uma nova sociedade, mais crítica e transformadora. Além da péssima distribuição de renda, temos uma péssima distribuição de tempo de trabalho. E tudo isso colabora para a manutenção da ordem ou da desordem que aí está. O privilégio de uns é estruturado na exploração de muitos. Essa é a lógica que leva ao meu, ao seu, ao nosso cansaço físico e mental. Deveras, o país está cansado demais para tomar as rédeas da situação. Ao contrário, está se deixando colocar rédeas.

Tudo gira em torno das garras do estresse, das doenças modernas, da realidade. Eis a nova escravidão. Sonhar virou uma fuga combatida por analistas. O trabalho, mais do que remédio, virou necessidade, obrigação, fardo longe de qualquer possibilidade de prazer. Tudo isso poderia ser diferente se, assim como os nossos caríssimos deputados e senadores, tivéssemos uns diazinhos de recesso. Muitos deles estão agora em suas casas de praia ou de campo gozando a vida. Eu não votei em ninguém para me representar em matéria de descanso. Isso é apropriação indevida de bem público. Eu quero o meu recesso!!!


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