Daniel Campos

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Eu quero lhe falar o meu amor

Eu quero lhe falar o meu amor, mas esqueci o texto. Eu quero falar o meu amor, mas não sei se os nós irão permitir. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é preciso saber a dor que isso irá causar. Eu quero lhe falar o meu amor, mas e se eu falar errado? Eu quero lhe falar o meu amor, mas as palavras devem ser bonitas. Eu quero lhe falar o meu amor, mas e se o dia amanhecer nublado? Eu quero lhe falar o meu amor, mas eu não sei qual o horário adequado. Eu quero lhe falar o meu amor, mas eu precisava de flores, música, cenário.

Eu quero lhe falar o meu amor, mas tem que ser tudo na medida exata. Eu quero lhe falar o meu amor, mas tenho que admitir minhas fraquezas. Eu quero lhe falar o meu amor, mas me faltam conselhos. Eu quero lhe falar o meu amor, mas tenho medo de me transformar no seu medo (no seu maior medo). Eu quero lhe falar o meu amor, mas tenho que tomar todas as precauções (físicas e espirituais). Eu quero lhe falar o meu amor, mas nenhum detalhe pode lhe fazer lembrar a cena de um filme (é preciso, mais do que nunca, ser inédito). Eu quero lhe falar o meu amor, mas o vento tem que soprar a favor.

Eu quero lhe falar o meu amor, mas meus olhos devem se confundir em seus olhos. Eu quero lhe falar o meu amor, mas não pode ser à primeira vista (seria mais forte se assim o fosse, mas o risco é muito maior). Eu quero lhe falar o meu amor, mas primeiro é preciso gerar indícios. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é preciso que eu acredite no impossível, no improvável, no inacreditável. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é preciso não tremer. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é necessário estar embriagado de expectativa. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é preciso que eu volte depois.

Eu quero lhe falar o meu amor, mas é preciso não dormir. Eu quero lhe falar o meu amor, mas não posso confessar nada além do que nunca fora dito. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é preciso saber se não estou com febre (só assim saberei se você existe ou se é alucinação). Eu preciso lhe falar o meu amor, mas e agora? Eu quero lhe falar o meu amor, mas a minha fala não deve ser um discurso daqueles que se chega ao fim antes da última linha (e nem deve ser um discurso). Eu quero lhe falar o meu amor, mas e se ele, o amor, não me deixar falar? Eu quero lhe falar o meu amor, mas as minhas palavras devem ser mansas (mesmo que fortes, devem ser mansas).

Eu quero lhe falar o meu amor, mas antes devemos perder o significado da palavra limite. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é necessário fazer e desfazer o espanto. Eu quero lhe falar o meu amor, mas os dramas devem continuar clandestinos. Eu quero lhe falar o meu amor, mas os segredos hão de ser amáveis. Eu quero lhe falar o meu amor, mas não encontro nem o ponto de partida nem o ponto final. Eu quero lhe falar o meu amor, mas preciso de um tempo que ainda não existe.

Eu quero lhe falar o meu amor, mas me falta paciência. Eu quero lhe falar o meu amor, mas e se você não se lembrar de mim? Eu quero lhe falar o meu amor, mas tem que ser em outra dimensão. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é crucial uma trégua com o choro. Eu quero lhe falar o meu amor, mas sem fazer uso de interrogações. Eu quero lhe falar o meu amor, mas antes é preciso sonhar, sonhar e sonhar. Eu quero lhe falar o meu amor, mas eu ainda não terminei a minha lista de renúncias. Eu quero lhe falar o meu amor, mas queria que você descobrisse esse amor antes das primeiras palavras (palavras que eu ainda não encontrei).

Eu quero lhe falar o meu amor, mas os verbos sabidos até hoje não permitem tais conjugações. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é preciso ter o profissionalismo de um amador. Eu quero lhe falar o meu amor, mas devia existir alguma espécie de seguro para as coisas do coração. Eu quero lhe falar o meu amor, mas não quero deixar recados, nem em secretária eletrônica nem em outra boca. Eu quero lhe falar o meu amor, mas antes eu preciso aprender a ser só. Eu quero lhe falar o meu amor, mas é melhor eu começar de novo.


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