02/02/2014 - Estetoscópio
O som daquela tosse encorpada tomou rapidamente conta do consultório. Uma tosse maior do que o próprio corpo que a trazia. E ele, o médico, bonitinho, mas ordinário, quis ouvir mais não daquela tosse, mais daquele corpo. Sim, queria ouvir tudo o que aquele corpo tenro queria dizer. Vasculhou cada centímetro daquela pele quente com seu estetoscópio. Todo seu eu depositado naquele instrumento que bailava por aquelas costas que se deitavam como mar aberto. E ele ouviu sons nunca dantes ouvidos. Sons que faziam seu jaleco branco ruborizar.
Aquele corpo febril chiava de fantasia. Aquele corpo febril ardia de alegria. Aquele corpo febril queria o que podia e não podia. E aquele estetoscópio navegava por aquelas costas como um corsário, roubando para si tudo o que conseguia. E aquelas costas tímidas se contraiam. Ela queria a cura e ele que ela adoecesse ainda mais a ponto de desfalecer em seus braços. Por ele, levaria aquela paciente para a mesa de cirurgia em caráter de emergência para abrir seu corpo conferindo assim toda sua anatomia. E foi então que o estetoscópio foi além...
Sim, ele queria explorar todos aqueles sons. Queria escutar sua boca, sua barriga, suas pernas, sua nuca... Porém, precisava respeitar o mínimo do protocolo. Por isso, das costas ao peito. E, por entre aquela pele macia, o estetoscópio percorria territórios desconhecidos. O instrumento deslizava como se fosse o próprio ouvido do médico, que não se acanhava com a noiva que carregava na mão direita. Há quem se apaixona à primeira vista e quem se apaixona ao primeiro som, como foi seu caso.
No entanto, quando o estetoscópio chegou ao epicentro do coração, o médico deu um grito e jogou o instrumento ao chão. Receitou rapidamente um xarope qualquer, já que não conseguiu realizar o diagnóstico, e engoliu em seco a presença daquela que sairia dali como entrou, sem respostas e cura. Ela se foi esbravejando e ele cancelou todas as suas consultas, pois não estava em condições de atender ninguém. Pudera, havia ficado completamente surdo com o grito de amor que ecoava daquele coração.
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