Daniel Campos

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05/06/2011 - Dançando com a lua

Quando ela acordou, o sol ainda tinha os olhos fechados. Os vaga-lumes ainda brincavam ao som dos grilos apaixonados. Nas ruas não passava ninguém, nem andarilhos, nem carros, nem trem. Os galos nem pensavam em cantar. Um pé de dama da noite, perto do portão, exalava perfume de mulher. As crianças sonhavam com carrosséis e os poetas tinham pesadelos com a solidão. E ela, numa pele quente como flanela, contrariando o relógio natural e o horário oficial, seguia acordada, mas longe de ser qualquer coisa de alma penada.

Acordou como quem nasce de parto normal – de forma tranqüila, sem atropelos e aos prantos. Acordou chorando, toda manhosa, pedindo cola. Acordou sem olheiras, sem canseiras, sem aquele sentimento de queira ou não queira. Acordou exorcizada de todos os seus fantasmas. Enquanto as gatas cochilavam nos becos escuros ou nas almofadas da madame, ela ronronava uma canção de recomeço. Amanheceu, antes da hora, com gana de viver, de sofrer, de vencer, de ter prazer.

Ela acordou como borboleta acorda da lagarta, como campeão acorda da derrota, como estrela acorda da escuridão. Ela acordou, com todo zelo, cuidando de si, de seu corpo, de seu espírito, de seus rumos. Abraçou-se, beijou-se, amou-se. Conversou consigo mesma, convidando a si própria para dançar. E riscou o chão do quarto numa coreografia que mostrava duas sombras no chão: a dela e a da lua. Dançou, rodou, volteou e se acabou no chão, na casta ilusão de um alvorecer em plena noite alta.


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