Daniel Campos

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20/03/2011 - Copos e criaturas

Vasculhando as minhas memórias não encontro referência maior de pluralidade do que os copos que se esparramavam pelas mesas de almoços e jantares na casa de minha avó Adélia. Copos de diferentes cores, texturas, tamanhos, formatos e procedências. Difícil encontrar dois copos iguais nas prateleiras daquela mulher que foi quebrando e juntando copos ao longo de mais de cinqüenta anos de casamento. Copos comprados, ganhados, achados. Copos gorduchos e esbeltos, copos lisos ou desenhados, copos transparentes ou estampados com temas florais. Copos originalmente copos de requeijão, de massa de tomate, de milho, de azeitona, de geléia...

O mais admirável era como aqueles copos, mesmo diferentes, se harmonizavam ao longo da mesa. Cada copo tinha uma história. Por isso, eu gostava de beber, cada dia, em um copo diferente. Era como se assim eu bebesse cada uma daquelas histórias. Lembro do copo de pinga de meu avô flertando com o copo de refrigerante de minha avó. O copo americano, usado para medir as receitas de bolo; o copo de bordas resistentes amparando a torneira da tália; o copo pequenino cheio de café aos pés de são Benedito. Cada qual tinha sua utilidade e seu espaço naquela casa.

Embora tivessem atributos e belezas individuais, o verdadeiro encanto se dava justamente quando os copos se misturavam. E, por mais estranho que possa parecer, um suco, um leite, uma caipirinha adquiriam gostos completamente diferentes quando bebidos em um determinado copo. Mágica? Acho que não. O segredo estava justamente na particularidade de cada um. E assim se dá ou deveria se dar com a humanidade. Criaturas diferentes, plurais por natureza, buscando constantemente a igualdade na desigualdade.


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