Daniel Campos

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Conspiração Tamburello - prefácio

Prefácio de um menino

Entre o consciente e o inconsciente, uma Lótus preta, com letras douradas escrevendo John Player Special, revira-se como um registro primitivo em minha mente, em meu corpo, em minha alma. Vez ou outra, quando os olhos se vão longe, meus pensamentos correm a bordo dessa máquina, que aparece e desaparece riscada pela velocidade. Entre esses riscos quase abstratos, um capacete amarelo rouba a cena. Idos de 1985, 1986. Na época eu não entendia muita coisa, mas gostava daquele mundo. Algo me fascinava, me atraia, me seduzia. Dentro da família, causava espanto um garoto de tão pouca idade permanecer por duas horas com os olhos grudados em frente à tela da televisão vendo carros dando voltas e mais voltas sem chegar a lugar algum. Ao contrário de ter um time de futebol, eu tinha um piloto de F1.

Em dias de corrida, vestia-me com a camisa, com o boné azul, com a dedicação desse piloto. Grudava uma bandeira do Brasil com fita adesiva na parede e rezava pra todos os santos pedindo vitória. Eu queria vivê-lo intensamente. Fechava-me na sala de televisão e ficava ali, no mais completo silêncio. Isto é, o barulho dos motores e a voz de Galvão Bueno estridavam em meus ouvidos. E eu delirava. Enquanto muitos meninos queriam ir ao estádio, eu queria ir ao autódromo. No domingo em que pisei em Interlagos, chorei. Chorei de emoção, de alegria, de raiva, de tristeza. Ao contrário de simplesmente assistir, tentei fazer a dança da chuva, "secar" o inimigo com olhos de pimenteira, pular o alambrado e comer aquele asfalto todo, mas não consegui fazer absolutamente nada. Eu me senti minúsculo diante daquele circuito, daqueles torcedores, daqueles carros...

Os meus domingos tinham todo um ritual, uma espera e uma esperança. Até que uma curva atravessou o dia primeiro de maio de 1994. Eu me enclausurei, me autoflagelei, me recolhi, me esqueci, me enlouqueci em torno de uma pergunta: quem matou Ayrton Senna? O tempo passou e a pergunta foi se calando, perdendo força e vigor. Buscando conforto no que ele dizia -"quando Deus quer não há quem não queira" - eu tentava aceitar o acidente, a vontade dos céus, a morte natural, o ritmo das coisas. O mundo passou e eu fiquei olhando. O calendário mudou e eu fiquei para trás. Eu, assim como Senna, não consegui ultrapassar a Tamburello.

Depois de tantos anos de silêncio, ao ler esse livro, gritei. É como se eu tivesse vivido tudo novamente, como se o tempo não tivesse passado. E eu me surpeendi. Saber que houve uma conspiração por trás da morte do meu ídolo mexeu muito comigo. Na época, ignorei todos os avisos e sinais presentes nessas páginas. Desejando assistir mais uma vitória, deixei de lado os fatos, naturais e sobrenaturais, e permaneci ajoelhado em frente à televisão. Senna, para os meus treze anos de idade, era uma espécie de semideus, de titã, de imortal. Não podia supor que ele sequer morreria, tampouco que sua morte vinha sendo orquestrada.

Este livro tem o efeito de uma pedrada. Seja pela forte poesia com que é estruturado, seja pela descrição milimétrica dos acontecimentos ou dos caminhos que levam ao culpado. Em cada página há vestígios, avisos e evidências acerca da morte de Ayrton Senna. Quinze anos depois, com este livro nas mãos, transformo-me em detetive. O menino que colecionava recortes de jornal sobre seu piloto favorito, agora se debruça sobre pistas e provas. Entre fatos e hipóteses, descubro o trabalho meticuloso de uma conspiração.

Não foi fácil admitir que uma conspiração inescrupulosa, escondida sob a égide da fatalidade ou de um conjunto de fatalidades, tenha matado o único campeão do mundo em atividade. Mas a morte de Senna foi mais do que um encontro casual de coincidências. Em diversas páginas, fico engasgado. Em outras, mergulho em pensamentos que se vão longe. Em outras ainda, fecho o livro. É como se eu não quisesse acreditar que tudo estava previsto, que tudo foi calculado como uma volta de F1, que tudo interessava a alguém. O nome do livro podia ser "a dama de todas as curvas", "o dia da descriação", "morto, enterrado e apedrejado", "o luto anunciado". Porém, esses são apenas alguns dos capítulos que contam esssa trama e enredam algo maior - uma conspiração.

Naquele ano de 1994, diante dos meus olhos ingênuos, a Tamburello era só mais uma curva. Não prestei atenção suficiente nela. Aliás, meus olhos estavam todos voltados para o carro do meu piloto. Eu queria empurrá-lo a qualquer custo, acreditava que se olhasse fixamente para ele poderia lhe dar mais alguns cavalos de potência. Só agora eu consegui ver o que acontecia em volta, em torno, dentro e fora de Senna. E mais uma vez, virei torcedor. Torci para que ele vencesse aquela corrida. Torci para que ele não batesse na curva. Torci para que ele não morresse novamente. Torci para que o final não me traísse. Afinal, eu tinha e, desde então, tenho apenas 13 anos.

Eu escrevo este prefácio como um reencontro, como um re-descobrimento, como um recomeço. Eu que me valia do despertador para acompanhar os títulos de Senna no Japão. Eu que desenhava carros de F1 nos cadernos de escola. Eu que gravava todas as corridas em um vídeo cassete antigo. Eu que me senti tão pequeno dentro de um autódromo de F1. Eu que andava com fitas cassetes ouvindo e reounvindo Galvão gritar Ayrton, Ayrton, Ayrton Senna do Brasil. Eu que tentava tocar aquela musiquinha das vitórias no meu violão. Eu que colecionava minuaturas de F1. Eu que colava figurinhas da temporada em um álbum. Eu que tinha uma réplica daquele capacete amarelo ao lado da minha cama. Eu que não cresci. Eu, uma espécie de Peter Pan de um mundo feito de velocidade. E Ímola foi a minha Terra do Nunca, mesmo sem eu saber.

Quando Senna bateu no muro da Tamburello, eu também me desprendi de meu corpo físico. Eu, menino de treze anos, abandonei meu corpo, que sempre foi meu carro, e fiquei pela estrada, perdido no tempo e no espaço. Mesmo sem eu querer, a minha história como menino que torcia, vibrava, cantava, chorava e se alegrava as voltas do piloto chegava ao seu ponto final. Nada mais mudaria. Eu não iria mais crescer. O meu futuro havia ficado na Tamburello. Durante muitos anos, gritei e ninguém ouviu. Corri e não sai do lugar. Venci o tempo, porém me perdi de mim mesmo.

E agora, com o lançamento deste livro, dentro e fora de mim, fica uma pergunta: o que será desse menino? Eu ainda não sei. Aliás, ninguém sabe. Eu posso voltar a crescer ou desaparecer de vez. Quem sou eu? Não tenho endereço fixo, vivo em uma dimensão paralela. Dias estou aqui, dias estou ali, dias estou lá. A minha profissão é torcedor. E sou torcedor fanático, senático, inter-galático. Tenho treze anos e hoje minha existência não faz mais sentido senão nas páginas de um livro. O meu nome? Pode me chamar de Daniel Campos. Afinal, querendo ou não, sou parte dele.

Daniel Campos, 13 anos de idade


Comentários

22/02/2012, por MAURICIO:

Olá Daniel! ainda ôntem estava vendo um documentário da vida do Ayrton na tv, sua rivalidade sem precedentes com Alain Prost. Mas eu ainda me pergunto até os dias de hoje o que aconteceu na tambuirello naquele fatídico domingo. vleu abço. ps. Jesus é o caminho a verdade e a vida.


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