Daniel Campos

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Conselhos de um boêmio

Não me lembro a data, só sei que era noite. Embriagava-me com uma garrafa de água mineral na mesa de um botequim. Foi então que entrou um sujeito meio fora de época, da época que o mundo nos impõe. Um homem dos anos vinte, magro, de paletó claro e de chapéu de pano. Caminhava e levava consigo olhares indiscretos.

Sem mais cumprimentos senta-se ao meu lado, repousa o chapéu sobre a mesa, acende um cigarro e enquanto espalha a fumaça pelo ar... - "Sei o que lhe acontece, o que tenta entender, o que lhe tira o sono e lhe traz o drama, sei às mulheres impossíveis". O homem tinha algo de sábio, de feiticeiro, de profeta, de sei lá o que. Voltando-se para o copo vazio, - "Sou apenas um boêmio que já viveu o bastante para entender essas criaturas que se confundem com o amor, posso lhe afirmar que entender a vida é mais fácil do que compreendê-las".

E... - "Ingratas! A mulher acima de tudo, independente de ser linda ou bonitinha, estar arrumadinha ou ter aquele jeitinho maroto, tem que ser vista como uma criatura nua, despida de qualquer roupa, vestida apenas com os olhos, uma criatura que sabe iludir e que não se importa com o amor, apenas encanta com a sua beleza natural, o que a torna única. Permite ser amada e finge que ama." O boêmio bebe três dedos de água-ardente, range os dentes e murmura: - "Ingratas, são todas ingratas."

Faz sinal para o garçom e... - "Olhem esses casais ao nosso redor, acham que sabem o amor, mas não o sabem. O amor é indefinido, vem mascarado e apresenta um rosto diferente a cada um. A única exigência que sempre fiz foi por um rosto feminino, aliás, não só o rosto." Sorri. - "Amar é complicado. Todos amam, porém ninguém conhece o amor por inteiro, entretanto se apaixonam numa frase tão simples... eu te amo. Pode até parecer idiota, todavia o amor é tanta coisa e ao mesmo tempo nada mais do que duas bocas trocando a mesma frase... eu te amo, eu te amo."

O apaixonado convicto traga mais três dedos, bebe outro cigarro, ou vice-versa, e dá dois tapinhas nas minhas costas. Abre um sorriso e... - "O que posso lhe dizer e que é sempre bom amar, não se importando se é amor de uma vida inteira ou de uma noite. Amar e de vez em quando ser amado. Sofremos? Amamos! Ela vale todo o sofrimento, toda a vida, toda a ilusão. Preciso ir, deixo-lhe a solidão, agora, a sua melhor companhia. Até um dia. Ah! As pingas ficam a troco dos conselhos desse velho." Vai sem eu nunca saber se realmente veio.


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