Daniel Campos

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17/08/2014 - Comédia Romântica

As portas do carro se abriram paralelamente ao movimento do fechar dos lábios após o último beijo. Sapatilhas e sapatos se entrelaçaram ainda meio atordoados pela surpreendente fim de tarde, que estava fadada a não oferecer mais nada. No entanto, dessa vez a expectativa se quebrou positivamente. E foi tanta euforia que ela revelou até um de seus segredos para seguir com a pele fresca e perfumada mesmo sob a ação de sol, correria e trânsito. Dirigia, conversava, sorria. Estava bem com ela mesma e isso era o mais importante. Que o mundo se acabasse lá fora, pois dentro daquele carro tínhamos a nossa bolha de felicidade intensa e propensa ao infinito. Mãos nas mãos avinhadas. Mãos nas pernas jeans. Mãos no rosto de óculos escuros. Mãos que após o beijo de quem ama de forma longa e doce, as portas do carro se abriram. E então as mãos se deram repetindo para nós mesmos que aquele encaixe de linhas do destino, de formas anatômicas, de vontades, é perfeito. Nossas mãos combinam, nasceram uma para outra. Se na ancestralidade nosso corpo era um só, a separação para cada qual se procurar pelas vidas afora foi precisa. Pois vidas e vidas depois nossas mãos, para não falar dos nossos corpos como um todo, continuam se encaixando tão e quão bem. E por uma calçada estreita margeada por árvores tortas e teimosas como a paixão deve ser no meio do cerrado caminhamos como personagens de um filme leve. Sempre foi assim, quando longe, vivemos o drama. Quando juntos, uma comédia romântica. E quem passava ao nosso lado nos observava com olhos carentes daquele nosso apaixonamento. Nossas mãos se colavam para não se soltar por nada. E foram passos e mais passos de um amor explícito semeando vida e esperança pelo lenho daquele verão. Antes da chegada de outros beijos mais molhados, de mãos se aventurando por tecidos mais ocultos, de perfumes sendo esfregados um no outro como abelha no pólen, as mãos reinaram absolutas. Os passos se cadenciavam. A caminhada era harmônica. Não era por menos, sempre tivemos o mesmo ritmo. Seja o ritmo para andar ou para sonhar. Foram tantos e quantos sorrisos. Embora não houvesse coelhos e cartolas e cartas de copas pelo caminho, aquele encontro em movimento se fazia mágico em cada nanodetalhe. Dois meninos se encontrando no meio da tarde. A sensação de dois meninos que cabularam aula para flertar sob as sombras das árvores. Dois meninos que sabiam que logo mais teriam que voltar as suas vidas, mas que tinham certeza de que enquanto estivessem ali estariam absolutamente um para o outro sem pensar em mais nada. Dois meninos que caminhavam se beijando sem tocar o chão. Não havia espaço para fome, para preguiça, para desejos que violassem aquele momento. De tamanho prazer sentido ali naquele abotoar de mãos, passamos do destino. Erramos o caminho, hoje tenho certeza que de propósito, só para avançar mais alguns metros naquela cena digna de porta-retrato.


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