Daniel Campos

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10/11/2009 - Choro em memória das mangas verdes

A doçura das mangas não combina com pedradas. No entanto, nesse momento, há milhares de moleques apedrejando mangas-rosas pelas ruas. Moleques que não têm paciência para esperar os frutos madurar. Derrubam do pé pelo simples fato de derrubar, de destruir, de acabar com aquela quitanda ao céu aberto. Naquele estado verde, as mangas não possuem o mesmo sabor, o mesmo perfume, o mesmo suco que as fazem apreciadas por uma legião. São apenas frutos incompletos, como fetos abortados.

Poeta que sou choro em memória das mangas verdes. A cidade poderia ficar mais colorida e cheirosa e saborosa, no entanto, o que se vê é um rastro de barbárie. As mesmas mãos que picham muros, que riscam carros, que apedrejam vidraças põem fim ao sonho das mangas que um dia se ruborizariam de desejo. Mas isso não importa às mãos que não sossegam enquanto não pelam a mangueira. Se ao menos a árvore pudesse fazer pernas de suas raízes e braços de suas galhas para reagir aos ataques...

Não é à toa que achincalham com nossa reputação chamando-nos de país do retrocesso, do terceiro-mundo, da selvageria e do caos. Um país se faz de território e gente. E que gente é essa que se move pela destruição, que acha bonito inibir o ciclo da vida... As mesmas as mãos que apedrejam a carne das mangas apedrejam a carne humana. Aqueles moleques são homens, aquelas pedras são balas, aquelas mangas são vidas, aquelas mangueiras são árvores genealógicas ficando incompletas a cada novo golpe...

Para tais moleques, assim com as mangas verde, as vidas não têm rosto, sabor, cheiro...


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