Daniel Campos

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17/08/2010 - Capítulo 47

Conto de bruxo

Gritaria. Alvoroço. Descontrole.

Micaela dá um escândalo ao ver Celeste completamente nua, dormindo no sofá da sala do apartamento de Sebastian.

Acha um absurdo o padrasto trair a mulher que diz amar, ainda mais quando essa mulher está internada em um hospital, ainda mais de forma tão explícita e descarada, ainda mais com a filha de um grande amigo da família.

Celeste, que tinha pegado no sono acorda em meio aquela confusão sem compreender o que se passa com ela e ao seu redor.

Não é capaz de se lembrar como saiu de sua casa, como chegou até ali, como tirou a roupa, como adormeceu, como tudo aconteceu.

Teme pelo desconhecido. Afinal, não sabe o que pode ter ocorrido ali. Mergulha em uma espécie de poço de amnésia tentando encontrar algo que a faça cair em si. No entanto, não há tempo para divagações.

Trata logo de se enrolar em um lençol enquanto Micaela, fora de si, gruda em seu cabelo e lhe dá uns tapas e beliscões. As duas caem no sofá, enquanto Sebastian tenta apartar aquela briga.

Celeste apanha sem conhecer a razão. E pior, pensa que apanha por ter feito algo de muito grave. E ao se defender, ataca. E pior ainda, ataca, mesmo sem querer, uma mulher grávida.

Naquele empurra-empurra, Sebastian cai sobre o corpo nu de Celeste e as bocas ficam próximas demais uma da outra. Os olhos se escondem e se procuram. Quase se beijam.

Micaela corre em direção a um dos quartos quebrando o que vê pela frente. E chora. Diz que ele não é nada daquilo que pensou. Que sua tia Alicia estava certa ao dizer que ele não prestava. Que quer mais é distância dele.

Sebastian sai daquela situação constrangedora e pede para que Celeste se vista. Ele vai atrás da enteada. Difícil explicar que não existe nada entre ele e aquela mulher depois dela ter presenciado uma cena inexplicável.

Ainda alterada, Micaela continua soltando farpas sobre o padrasto. Ele diz que vai lhe desfazer esse mal entendido, no entanto, pede para que a neta de Valentina confie nele da forma como ele vem confiando nela.

Ela cala a boca, como que levando um puxão de orelha, contudo não quer ouvir nada.

Sebastian tenta falar, mas ela pede que a deixe sozinha naquele quarto de hóspedes.

Ele fecha a porta e escuta, por detrás da madeira envernizada, choros e soluços.

Ao voltar à sala, Celeste já havia desaparecido. Outro problema. A moça foi embora levando possíveis dúvidas, mágoas e ressentimentos.

Não deu tempo nem de agradecê-la por ter indicado a localização de Micaela.

Não deu tempo nem de pedi-la desculpas por aquela confusão.

Não deu tempo nem de tentar fazê-la compreender alguma coisa.

Com tantos problemas mal resolvidos, Sebastian não consegue dormir.

Vai para seu quarto, mas vira de um lado para outro na cama na tentativa de encontrar uma posição que permita um pouco de paz.

Vai para o sofá assistir alguma coisa na televisão, mas a lembrança de Celeste nua naquelas almofadas o incomoda.

Vai então para a sacada e termina de ver o dia amanhecer com um copo de uísque nas mãos.

Fica ali, bebendo Buenos Aires e ensaia um desabafo:

- Eu não sei como você está Jhaver. Mas as sementes de seus castigos continuam vingando, crescendo e se alastrando ao meu redor. É como erva daninha. Difícil de acabar. Sei que foi você quem fez Celeste me indicar o paradeiro de Micaela. Sei que quer me ajudar. Não consigo entender, primeiro quis acabar comigo. Agora, parece estar do meu lado. Talvez já seja tarde demais para isso. É como se tudo desse errado, fugisse de minhas mãos, corresse para outro lado. Queria tanto conversar com você. Queria tanto ter a certeza de que não estou errado. Queria tanto não me sentir culpado. Mas é só isso que sinto: culpa, culpa, culpa. O mundo desmorona e o culpado sou eu. Há uma mulher nua em minha casa e o culpado sou eu. A minha mulher está internada e o culpado sou eu. Meus enteados estão padecendo e o culpado sou eu. Os umbralinos estão revoltados e o culpado sou eu. Eu, eu, eu... Não há pior castigo do que a culpa. A culpa tortura, angustia, ameaça, mata de forma silenciosa. Você poderia tanto vir me dar uns conselhos, indicar-me um caminho, ajudar-me a sair dessa teia de castigos. Jhaver, será que consegue me ouvir? Tantas dúvidas.

- Falando sozinho, Sebastian?

- Oi Micaela. Dormiu bem?

- Na medida do possível. Posso me sentar com você? Precisamos conversar.

- É claro.

O promotor teme pelo desenrolar dessa conversa. Afinal, Micaela ainda não deve ter entendido a presença da filha de Gastón naquelas condições que observou na madrugada anterior. Ela, com olhos amarrotados, encara o padrasto e frisa:

- Eu não quero mais voltar pra casa.

- Como?

- É isso mesmo que escutou: Eu não quero mais voltar para casa.

- Você não pode ficar aqui...

- Por causa de Celeste?

- Não. Celeste não mora aqui, não vem aqui, enfim, não existe nada entre nós. Coincidentemente, essa foi a primeira vez em que ela entrou aqui.

- Nossa. Pensei que eu era a rebelde. Entra pela primeira vez e já vai tirando a roupa.

- Foi um caso de possessão!

- Possessão? Você quer que eu acredite nisso agora? Não tinha desculpa melhor?

- Podia ter inventado histórias melhores e mais convincentes, no entanto, essa é a verdade.

- Aiai...

- Eu pensei que você acreditasse em espíritos?

- Sim... Mas é que você... Tudo é tão estranho...

- Para mim também é difícil, mas deixa eu lhe contar uma história.

- Acha que eu tenho idade para acreditar em contos de fadas?

- Pelo contrário, acho que já é bem grandinha para acreditar em um conto de bruxo: Jhaver, o castigador.

Sebastian, com lágrimas, nós e pausas, vai contando capítulo a capítulo desse drama. Mostra desde as marcas no seu corpo resultantes de sua incursão no Umbral até o desenho que Celeste havia feito... No fim, ela chora e pede desculpas por não ter acreditado nele desde o início.

- Pelo menos você agora acredita em mim. Chegará o dia em que vou ter que ter essa mesma conversa com sua mãe e temo pelo resultado.

- Eu vou lhe ajudar. Prometo. Não sabia que estava passando por tais coisas.

- Esta não vai ser uma tarefa fácil. No entanto, quero que você me prometa mais uma coisa.

- O quê?

- Que vai se ajudar? O que aconteceu com você para ir parar no La Boca naquele estado?

- Não quero falar sobre isso.

- Por favor... Eu não vou lhe recriminar. Apenas quero ter conhecimento do que acontece com você.

- Eu estou bem. No entanto, daí vem uma depressão, uma angústia e quando eu percebo já estou bebendo, fumando, conversando com outras pessoas. Acordo e não me lembro de nada, como a Celeste. Falando nela, preciso pedir perdão pela forma com que a tratei.

- Não sei o que fazer ao certo para acabar com isso. Mas você precisa ser forte. Os espíritos ruins, também chamados de vampiros, aproveitam de suas fraquezas. E, pode estar certa, de que tudo o que acontece conosco é muito estranho, porém temos que acreditar. Acreditar no que sentimentos, no que vemos, no que escutamos.

- Vou tentar.

Ele pede para que ela coma alguma coisa e se arrume, pois vão ao médico fazer alguns exames para ver a saúde dela e do bebê.

- Quando voltávamos para casa de madrugada você me disse que esse bebê não é seu, mas meu e de sua mãe. O que quis dizer com isso? Pensa em não criá-lo?

- Eu jamais lhe falei isso.

- Tem certeza?

- Absoluta. No entanto, agora fiquei preocupada. Será que vou morrer?


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