Daniel Campos

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20/04/2010 - Capítulo 13

Uma explicação, por favor

Dona Valentina respira tentando arejar os pensamentos, olha para os céus pedindo inspiração e ampara as mãos de Sebastian como uma mãe pronta a dar uma notícia ruim ao filho:

- O cheiro que você está com ele, bem como a marca em suas costas e todas as coisas estranhas que estão acontecendo nos últimos dias são sinais claros de que você está sendo castigado.

- A senhora me chamou aqui para falar de castigo? Eu não sou criança para acreditar que estou sendo vítima de castigos do além.

- Então acha que o juízo final é história da carochinha?

- Supondo que eu esteja sendo castigado, quem é o autor dos castigos: Deus?

- Ele propriamente não. Mas algum espírito que age sob o consentimento dele.

- Isso já é demais... A senhora me diz que Deus me castiga sendo conivente com um espírito responsável por me aplicar uma lição, me fazer sofrer, sei lá... Eu não posso admitir isso...

- Pois deveria deixar de ser tão cabeça dura. Ultimamente, sua vida é a prova viva de que os castigos existem.

- Mas...

- Eu já havia recebido um recado de que isso aconteceria, porém, hesitei em acreditar. Afinal, recebemos muitas informações erradas de espíritos zombeteiros. E sua vida com Malena ia tão bem. Recebi esse recado há mais de um ano. Você, um ano atrás, seria capaz de ser ver no meio dessa tormenta?

- Então, de certa forma, essa onda de sofrimento já estava prevista? O que está tentando me dizer?

Nesse momento, Valentina desfalece sobre Sebastian. Antes que ele pudesse chamar por socorro, ela acorda desfigurada. Suas feições estão completamente alteradas. E a voz que sai de sua boca é mais encorpada e firme:

- Valentina, Valentina, quando me contaram de sua sagacidade, custei a acreditar. Difícil encontrar uma encarnada com tantos poderes. Pena que seu atrevimento a impeça de ir mais longe.

- Você de novo, assombração?

- Em primeiro lugar, boa noite. E depois, se não sabe respeitar o próximo, ao menos tema quem você desconhece. Ou melhor, quem você finge que não conhece.

- Eu não conheço nem faço questão de conhecer uma coisa como você. E chega de conversa: o que você fez com minha sogra?

- Preocupa-se com ela desde quando?

Aquela criatura que empresta o corpo de Valentina olha no fundo dos olhos de Sebastian e afirma com firmeza:

- Não é preciso de muito esforço para saber o que passa em seus pensamentos. Pensamentos que maldizem a sua sogra, que a taxam de louca, de má influência para as crianças, de intrometida. É uma pena que não dê valor a Valentina, que não reconheça a importância e o papel dela em sua vida, que nunca a tenha escutado. Isso tudo conta pontos contra você, senhor incrédulo.

- Quem é você? O que está havendo?

- Quem és tu, criatura baixa, para me interrogar? Sinceramente eu não sei se um réu, ou melhor, um condenado como você, tem direito a tantas perguntas. Mas já que a insolente da Valentina iria falar sobre minhas ações, não resisti e resolvi fazê-lo eu mesmo. Aproveite cada instante. Poucos são aqueles que têm a honra de conversar comigo.

- Quem é você? O demônio?

- Pensa que sou o capeta, o coisa-ruim, o chifrudo, o belzebu, o cramulhão, o pastor negro, o sarnento, o tinhoso, o príncipe das trevas?

Sebastian, com todo pavor que pode caber em seu peito, balança a cabeça em sinal de afirmação. Em resposta, aquilo que invade o corpo de Valentina sussurra em seu ouvido:

- Dobre a língua. Estou mais perto de Deus do que pode imaginar.

- Como ousa falar em nome de Deus?

- Curioso, diz-se tão religioso e não conseguiu aprender nada de útil até agora. Não lera o antigo testamento, os evangelhos aceitos ou não pela igreja? Se tivesse se dedicado aos livros divinos saberia que Deus ama, mas também castiga.

- Mas isso é exatamente o que Micaela disse na igreja.

- Eu sei, fui eu quem soprou todas aquelas coisas no ouvido dela. Ou acha que sua enteada decidiu fazer aquilo por si própria. Não que ela não tenha competência, mas tenho-a influenciado nos últimos dias. Ela, Malena, Alicia, Hernandez, Tita, o pessoal de seu trabalho... Sou eu quem está influenciando todos os que o cercam nos últimos tempos.

- Para se esforçar tanto devo ser uma espécie de caça bem apetitosa para você?

- Há muitos séculos. Esperei muito tempo e muitas vidas por esse momento. E para usar um ditado barato, daqueles que você gosta de fazer uso no tribunal para se sentir importante e açoitar suas vítimas, existe o dia da caça e o dia do caçador. E hoje, sem dúvida alguma não é o dia da caça.

- Por que não me mata logo? Vamos, estrangule-me, jogue um raio em mim, espete-me com seu tridente... Ou você é daqueles que gosta de brincar com sua caça antes de devorá-la? Quer saber, acho que isso não passa de um teatro encenado por todos nessa casa para me convencer dessa história de espiritismo. É isso, vocês querem me pregar uma peça...

- Deixa de ser tolo. Tenho pouco tempo antes de uma leva de espíritos de luz aparecer por aqui para me atrapalhar. O inconformado de seu avô já chegou. Sem dúvida alguma ele também quer lhe pregar uma peça. Ele que lhe levou menino três vezes para a Terra do Fogo, viajando pelo Trem do Fim do Mundo. Foi na terceira vez, sob aqueles trilhos, que ele lhe disse que há um elo muito tênue entre Deus e o Demônio. Um elo que deve ser respeitado, sob pena de uma série de castigos.

- Como você sabe disso? Jamais disse isso a ninguém.

- Talvez porque eu sou esse elo. Sou eu quem atua entre o divino e o pecado, entre o sagrado e o profano, entre a graça e o castigo...

- Meu avô está aqui?

- Está bem ali, tentando lhe proteger de mim. Está quase explodindo e não consegue nem me fazer cócegas.

- Deixe a memória de meu avô em paz. Faz mais de vinte anos que ele morreu. O que você quer de mim?

- Castigar-lhe.

- Quem é você afinal?

- De nada vale eu dizer meu nome, você não vai querer me chamar nunca.

Sebastian se levanta, estende as mãos e começa a rezar o exorcismo. Ao longo dos anos havia acumulado um leque muito grande de orações em sua cabeça. Mas era preciso mais...

- Quem é você para me exorcizar? Como cristão deveria saber que só um sacerdote pode ler o exorcismo. Fico impressionado como você peca mais e mais a cada segundo.

- Diga o que quer então e vá embora.

- Por enquanto, olhar para seu desespero já está de bom tamanho. Só não molhe as calças, por favor. Seria ridículo testemunhar tal cena.

- Eu não tenho medo de você.

- Não é isso que suas mãos, seus olhos e seu cheiro me dizem.

- Quem é você?

- Um anjo.

- Como pode dizer que é um anjo, um servo de Deus, uma criatura iluminada e bondosa?

- O que fizeram com você para aos trinta e tantos anos ainda acreditar que os anjos moram em nuvens e tocam harpas. Não sou um querubim, um serafim, um arcanjo ou outro anjo que ilustra os livros de catecismo. Não sou um anjo qualquer. Sou um anjo castigador. Ou melhor, o seu anjo castigador.

- E isso existe?

- Tanto existe que eu estou aqui. Eu, o seu pior castigo.

- E você tem um nome, não é?

- Eu tive muitos nomes terrenos durante minhas encarnações, mas o meu nome verdadeiro é aquele mesmo que você chamou tantas vezes em uma de suas vidas anteriores.

- Eu não me lembro...

- Jhaver! Eu me chamo Jhaver!

Nessa hora, o céu relampeja, as estrelas escurecem, o vento revira as folhas do jardim, trovões urram dentro e fora de sua cabeça. Será o apocalipse? Será aquele anjo uma das bestas do último livro da Bíblia?

Ainda que ouvindo as trombetas, Sebastian acorda com dona Valentina batendo em seu rosto. Ela lhe dá a mão e os dois correm para a varanda. A chuva rola do céu com ares de dilúvio.

- Ele se chama Jhaver, minha sogra, Jhaver...

Dona Valentina tapa a boca do genro com uma das mãos, arregala os olhos e perde a fala.

Observação do autor: Próximo capítulo no dia 22 de abril (quinta-feira)


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