Daniel Campos

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09/03/2015 - Caipirice de luto

Há alguns pés de vento que vêm para cumprir o destino. No mesmo sopro, o vento sertanejo levou Zé Rico e Inezita Barroso. Ambos são parte da minha infância e juventude. Os domingos no sítio ao som de Milionário e José Rico. Os domingos em casa ao ritmo de Viola Minha Viola. Antônio e Liberato, meus dois avôs, encantavam-se tanto com a música de Zé Rico quanto com a de Inezita. Pode parecer antiquado para aqueles que colocaram o sertanejo na universidade, mas não há nada mais atual e autêntico do que essa dupla caipira levada pelo vento de março.

Zé Rico e Inezita tinham personalidade e estilo único. Bastava uma nota para você identificá-los. O vozeirão e o timbre, cada qual ao seu modo, eram inconfundíveis. Cresci ouvindo os dois, respirando a boa e atualíssima música de raiz. Tenho orgulho em dizer que sou caipira, com sotaques e cheiros do mato. Acredito em assombração. Fico bobo com a chuva. Sei lidar perfeitamente com vacas, porcos, galinhas, hortas, plantações... Sou bicho da terra. Emociono ao escutar um canário solto no campo. Sei o gosto de fruta do pé. Não troco uma boa sombra por ar condicionado algum...

As mortes de Zé Rico e de Inezita Barroso provocaram um vendaval de lembranças. É como se as folhas do meu passado fossem reviradas. Novamente estou no sofá da casa de meu avô Antônio, ao lado de meu pai Carlos, numa manhã de domingo, depois de já ter passado na banca de jornal e no mercadão para comprar verdura e manteiga caseira, deleitando-me com as atrações de Inezita Barroso no Viola minha Viola. Outra vez estou num domingo no sítio, de cara pro lago e debaixo de um pé de João Bolão, observando meu avô Liberato se misturar a paisagem ao som de Milionário e José Rico.

Podem dizer que estavam esquecidos, mas mesmo depois de muitos anos tinham seu público cativo, faziam sucesso e moviam grandes paixões. É difícil permanecer inabalável ao som de Milionário e José Rico com estrada da vida, vontade dividida, sessenta dias apaixonado... É impossível não reconhecer a importância de Inezita Barroso na luta pela música caipira, pelo folclore, pelas raízes brasileiras... Sem eles, a cultura brasileira perde dois grandes pioneiros que envelheceram sem ficar velho. É como se um vendaval varresse a vida, calando pássaros, árvores e até almas deixando um imenso vazio pelo estradão...

Minha caipirice está de luto.


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