Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
03/08/2008 - Cada dia nasce de um novo amanhecer

Em pleno inverno, a lua parece arder em febre. Com certeza deve ser efeito de sua paixão impossível pelo sol. E esse clima só faz sufocar o menino que passa cabisbaixo pelas ruas. Caminha sem direção, sem rumo, sem destino. Até mesmo o vento que deveria ser fresco sopra um bafo quente, deixando em brasas a angústia daquele jovem que desconta sua raiva chutando as pedras que encontra pelo caminho. De repente, avista um banco daqueles de cimento que dividem espaço com a grama, já castigada pela seca.

Resolve descansar um pouco e apreciar a dança dos vaga-lumes, que ficam ricocheteando suas lamparinas pelo céu negro. A sua vontade é que os pirilampos explodissem ficando tão escuros quanto seus pensamentos. Depois de alguns minutos, um senhor de boina senta-se ao seu lado. No começo, além de responder ao desejo de boa noite meio rouco do velho, o menino não lhe dá muita atenção. O calor é o pretexto para se iniciar uma conversa. Enquanto o velho fala da beleza da noite estrelada, o menino reclama da quentura, dos mosquitos, do ar seco.

O senhor que usa uma dessas calças finas de viscose, já tão desbotada quão rala, sorri ao tempo em que um calor estranho percorre no corpo franzino do menino. No entanto, este calor está longe de ser um fenômeno meteorológico. Uma espécie de formigamento sobe pelas entranhas do jovem. É como se recebesse uma energia intensa de uma fonte imensa. As mãos chegam a tremer. O coração pulsa acelerado. A pele repuxa pelo corpo todo. O menino começa a se assustar com o que sente e o velhinho, com medo que ele saísse correndo e gritando aos quatro ventos, segura seus braços e lhe pede calma com a seguinte frase:

- "Ah... Mas quem sou eu senão uma formiguinha, das menores, que anda pela Terra cumprindo sua obrigação".

Tranqüilizado pelas palavras, mas ainda desconfiado do que aquele senhor seria capaz de fazer, o menino volta a se sentar. E não demora a cair em um pranto sem fim. Começa a contar das amarguras por quais passava nos últimos tempos. Problemas de todos os aspectos que vinham lhe tirando o sono. Reclamava dos estudos, do emprego, dos pais, da casa, da saúde, das brigas, das roupas, da falta de dinheiro para comprar um presente para sua namorada. Na sua visão das coisas, o mundo caíra sobre suas costas. E tudo se transformara em pessimismo e dor. O sábio velho coloca as mãos sobre teus ombros e diz com voz firme.

- "A sua irritação não solucionará problema algum... As suas contrariedades não alteram a natureza das coisas... Os seus desapontamentos não fazem o trabalho que só o tempo conseguirá realizar. O seu mau humor não modifica a vida... A sua dor não impedirá que o sol brilhe amanhã sobre os bons e os maus..."

O menino gesticula, franze a testa e responde com gritos, deixando escapar todo seu desespero e incompreensão:

- Para o senhor é fácil ficar dando conselhos de felicidade, mas o tanto de problemas que tenho só faz estragar o meu dia.

- "Não estrague o seu dia. Aprenda a desculpar infinitamente, construindo e reconstruindo sempre... Para o infinito bem! A sua tristeza não iluminará os caminhos... O seu desânimo não edificará ninguém... As suas lágrimas não substituem o suor que você deve verter em benefício da sua própria felicidade... As suas reclamações, ainda mesmo afetivas, jamais acrescentarão aos outros um só grama de simpatia por você...", responde o velho sem alterar o tom da voz.

O menino reforça o tom agressivo da sua pouca fé e insulta:

- Já que o senhor é tão sabido, o que eu devo fazer? Pular da ponte? Assaltar um banco? Sair atirando em todo mundo? Vamos sabe-tudo, diz ai o que tenho que fazer?

O velho, que usava um par de sapatos já sem brilho, olha para o céu e se perde nas estrelas. Sem perder a postura, fala enquanto aponta o dedo indicador para o alto:

- "Em qualquer dificuldade, não nos esqueçamos da oração... No mínimo, a prece nos pacifica para que encontremos, por nós mesmos, a saída para a dificuldade que estejamos enfrentando"...

Sem se desarmar das suas aflições, o menino blasfema e provoca:

- Deixe-me em paz. Não quero escutar esse papo idiota. Eu já cansei de rezar e Deus não resolveu os meus problemas. Não acredito em nada do que está dizendo.

O menino se levanta e ameaça ir embora. Mas o seu corpo volta a esquentar. O vento sopra forte e as folhas do caminho são reviradas. As pernas do menino ficam bambas. Um raio de luz, feito um relâmpago, corta o céu. Ao contrário do estrondo do trovão, um pássaro canta em plena escuridão. O menino cai e volta a chorar. O velho se levanta, agacha perto daquele jovem, coloca a mão em sua cabeça e continua:

- "Os Espíritos Amigos sempre mostram disposição de nos auxiliar, mas é preciso que, pelo menos, lhe ofereçamos uma base... Muitos ficam na expectativa do socorro do Alto, mas não querem nada com o esforço de renovação; querem que os espíritos se intrometam na sua vida e resolvam seus problemas... Nem Jesus Cristo, quando veio à Terra, se propôs resolver o problema particular de alguém. Ele se limitou a nos ensinar o caminho, que necessitamos caminhar por nós mesmos".

Ainda em pranto, o menino cobre o rosto com as mãos e engasga com as palavras:

- Mas eu já perdi tempo demais na minha vida sem oração. Acho que Deus já não me escuta.

O velho sorri, estende a mão para ele se levantar e diz:

- "Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim".

Já a caminho do banco, o rapaz questiona:

- Mas como vou começar de novo cercado pelas mesmas pessoas? Não agüento mais minha família, meus colegas de trabalho, meus professores. Eles só querem o meu mal.

O velho faz uma pausa em longo suspiro e confessa:

- "Uma das mais belas lições que tenho aprendido com o sofrimento: Não julgar, definitivamente não julgar a quem quer que seja"

O menino insiste:

- Mas eu queria ter outros pais, outro trabalho, outra casa...

O senhor, que usa uma camisa xadrez, olha dentro dos olhos do seu pupilo e endurece o discurso:

- "Você nasceu no lar que precisava, veste o corpo físico que merecia, mora onde melhor Deus lhe proporcionou, de acordo com seu adiantamento. Possui os recursos financeiros coerentes com suas necessidades, nem mais, nem menos, mas o justo para as suas lutas terrenas. Seu ambiente de trabalho é o que elegera espontaneamente para sua realização. Seus parentes e amigos são as almas que atraiu, com sua própria afinidade. Portanto, seu destino está constantemente sob seu controle".

O menino interrompe:

- Mas eu não tenho esse poder e também eu não posso...

Sem esperar o menino continuar, o sábio continua:

- "Você escolhe, recolhe, elege, atrai, busca, expulsa, modifica tudo aquilo que rodeia a sua existência. Seus pensamentos e vontades são a chave de seus atos e atitudes.... São eles as fontes de atração e repulsão na sua jornada. Não reclame nem se faça de vítima. Antes de tudo, analisa e observa. A mudança está em suas mãos. Reprograma sua meta, busca o bem e viverá melhor".

- "Mas como consigo isso? Além de rezar, tem algo que possa fazer para conseguir dar um jeito na minha vida?", pergunta o menino.

Para sua angústia, que queria ouvir algo mais concreto, o velho responde que ele pode ajudar os outros, ou seja, fazer algo que nunca fizera antes: caridade.

- "Você nem sempre terás o que desejas, mas enquanto estiveres ajudando aos outros encontrarás os recursos de que precise".

O menino fica pensativo e o velho se levanta. Abraça o menino e aquele calor inunda os subterrâneos daquela criança grande. Pela terceira vez, o menino chora. Mas agora, chora em silêncio. A imagem do menino vai se perdendo nas lentes grandes e espessas dos óculos do velho que, depois de se distanciar alguns metros, despede-se com a seguinte frase:

- "Lembra-te sempre: cada dia nasce de um novo amanhecer"

O menino, ainda com suas emoções de pernas para o ar e sem entender o que aconteceu, acompanha aquele senhor, que em passos lentos, vai sumindo pela noite escura. O jovem, mesmo anestesiado, reúne toda sua força e grita com a voz ainda embargada:

- Qual é seu nome?

O velho volta seu rosto para trás e responde com um sorriso:

- "Meu nome é Francisco Cândido. Mas se preferir, pode me chamar de Chico Xavier".

Observação do autor: Todas as frases entre aspas são de autoria do médium Chico Xavier.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar