Daniel Campos

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04/09/2008 - Aqüífero

Além de brotar das minas, a poesia deveria sair das torneiras. Além de regar as plantas do jardim com uma boa prosa, já imaginou se ensaboar com versos que, pouco a pouco, impregnariam por todo o corpo? Ah! Mais do que cremes e outros cosméticos, a pele precisa de palavras. Muitas vezes o problema maior é a alma ressecada, mas nada que uma boa hidratação a base de estrofes sentimentais não resolva. As dores nas costas, o cansaço mental, a depressão - esses e outros males cotidianos seriam curados após a ingestão diária de copos de Quintana, Drummond, Vinícius, Pessoa... E isso não é simpatia, é medicina poética.

No final de semana, o ideal é mergulhar em uma piscina repleta de tercetos e quartetos livres e casados. Dá água na boca só de pensar no arroz cozido na fervura das palavras. Um sabor, no mínimo, repleto de sentimento. Ah! E os corpos na banheira deixariam de lado os sais e ganhariam os romances. O banho de mangueira das crianças seria o capítulo mais feliz de um livro. E cada veleiro solto no mar seria um poeta cantando coisas de amor. A brisa seria um beijo literário roçando nossos rostos. Há coisa mais poética do que a mulher que sai pelas ruas sem sombrinha em meio ao chuvisqueiro, misturando lentamente suas linhas aos dizeres caídos dos céus.

A chuva cai semeando uma nova linguagem, feita de estética e emoção. Para além dos letrados, os aprendizes das letras dobrariam sonetos em forma de barco e os lançariam pelas enxurradas, em busca de piratas e sereias. E a poesia seria azul na visão do astronauta, lírica para quem navega no leito do mar vermelho e doce feito açúcar mascavo para os índios do rio negro. Antes de chegar às torneiras, as palavras desceriam cachoeiras, revirar-se-iam em corredeiras, acorrentar-se-iam nas correntezas do destino. Ai, quem dera se a poesia corresse como água pelos nossos oceanos. Os planos para o mundo, certamente, seriam outros.


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