Daniel Campos

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Ainda que de repente

Do efêmero bom dia aconteceu o interminável adeus. Conheci-a e a perdi não mais do que de repente. Encontrei-a de verdade tempos depois e então a perdi para todo o sempre. Sempre pode morrer ou renascer. Sempre é mais do que um poente. Sempre é o retrato do ausente que fica a lhe observar.

Deixou-me sem me deixar. Não telefonou, nem escreveu, nem ao menos apareceu num instante sem querer. Tento fazer-me esquecer, fingindo ser tudo tão normal. Mas ela tendia ao infinito, e sendo assim, não acaba como as outras acabaram. Tem todo um caminho a ser percorrido e de nada vale pular etapas.

Mesmo se nós fomos condenados a um sentimento terminal, com dias contados, a história há de nos deixar algumas linhas escritas e outras em branco. Nela, eu fui o que não tinha condições de ser num futuro com gosto de ontem. O tempo é curto, a vida é longa demais para prosseguir sozinha, vista com uma só nota perdida na imensidão do piano. A solidão é um cárcere onde se conta os dias no chão batido para fugir. O problema é ser livre e estar nos abraços e por outros braços preferir o deguste da solidão.

As quedas e os desejos nos ensinam a ter paciência. A arte nos faz sentarmos num canto do palco e esperarmos a nossa hora de atuar ou de aplaudir. Não trocamos de papéis, mas o final (se ele houver de acontecer) pode ser outro. E temos alguma força nisso tudo.

Como protagonistas de um destino, levamos o sorriso e a lágrima, em instantes trocados, mas com um sabor inconfundível. E nós fomos algumas páginas de um livro que guarda a maioria das páginas ainda em branco. Ainda que de repente, pretendo continuar a escrever nas páginas desse livro como se escrevesse no corpo daquela que não me dedicou sequer uma linha.


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