Daniel Campos

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07/09/2008 - Abracadabra

- Respeitável público, com vocês o maior espetáculo da face da Terra, o inacreditável, o incomparável, o insuperável palhaço Abracadabra.

- Ei, seu apresentador, Abracadabra é nome de mágico e não de palhaço!

- Senhoras e senhores, queiram desculpar a intromissão do moleque de camiseta amarela ali da terceira fila. Ram-ram... Com vocês o inacreditável...

- Chega de embromação e chama logo esse palhaço!

- Mas não é possível?!

- Abaixa aí seu Oswaldo, que eu vou jogar esse tomate maduro na cara desse apresentador sem graça!

- Calma moleque, o circo é um lugar mágico. Cadê o seu espírito artístico?

- Admirável público, vem aí...

- Quem? Quem? Quem? O mágico abracadabra...

- Está difícil hoje... Eu desisto... Entra logo Abracadabra.

- Olá criançada, hoje tem marmelada?

- A gente não gosta de marmelada!

- Hoje tem goiabada?

- A gente odeia goiabada.

- E o palhaço o que é?

- Um cara sem mulher. Quem é que vai querer um bicho feio desse...

- Você sabe o que o sapo falou para o mosquito?

- Não e nem quero saber!

- E o que o queijo falou para o rato?

- O palhaço burro, queijo não fala!

- Chegaaaaaaaa !!! O que você está fazendo aqui?! Isso aqui é um circo, mas é um lugar de respeito. Há quarenta anos eu ando por essa estrada afora tirando sorriso até de pedra. Mas de um tempo para cá isso está impossível. Que falta de educação é essa? Onde está a magia? Para mim, esse picadeiro é um local sagrado. Não estou aqui por dinheiro não...

- Está aqui porque é um velho que não sabe fazer outra coisa...

- Eu podia lhe dar uma boa resposta, mas respeito este céu feito de lona. Sou velho sim, mas envelheci por entre sorrisos. Quanto a saber fazer outras coisas, ser palhaço é ser doutor. Como advogado, eu defendo os humanos da pena da tristeza eterna. Como médico, alimento a alma com um tratamento baseado na alegria. Como professor, ensino a arte do sorrir. E não falo desse sorriso de sarcasmo, de ironia, de deboche, de se dar bem à custa dos outros... Tampouco do sorriso amarelo... Falo do sorriso que brota lá no nosso íntimo e explode numa beleza sem medida em nosso rosto. Falo do sorriso que contagia. Falo do sorriso que ilumina.

- Tá! E você quer me fazer acreditar nessa besteira?

- Infelizmente, eu não posso fazer isso. Por mais que eu queira, não posso mais colocar um sorriso em seu rosto. E sabe por quê? Por que eu fracassei! Assim como você, há dezenas, centenas, milhares de jovens que não se encantam mais com as minhas palhaçadas. Acho que fiquei velho mesmo! Velho para esse mundo que anda sem graça, sem poesia, sem espírito... Eu me chamava Gargalhada, e as crianças faziam xixi na roupa de tanto rir... Com o passar do tempo, troquei meu nome para Risadinha e ainda vivi, por um bom período, a época do riso fácil, doce, espontâneo... Mas com o endurecer do mundo, passei a me chamar Abracadabra porque arrancar sorriso passou a ser coisa de mágico. No entanto, nem isso adianta mais... Os sorrisos morreram... Quer saber, toma aí meu nariz de palhaço, meus sapatos de palhaço, minha peruca de palhaço... Você foi a gota d`água para a morte do Gargalhada, do Risadinha, do Abracadabra... Nem sei qual será o meu nome daqui para frente...

- O palhaço vira às costas e deixa rolar uma lágrima borrando seu rosto pintado enquanto o moleque de camiseta amarela ali da terceira fileira gargalha... E gargalha com gosto para sorte ou azar do palhaço sem nome, que cabisbaixo deixava o picadeiro.


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