Daniel Campos

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16/11/2010 - A morte da mulher amada

Está consumado. (João 19:30)

A mulher amada não morre pela falência de seu corpo, mas de seu sentimento, ou melhor, do sentimento que carrega consigo. É como se o amor, tal erva parasita, tivesse usado o corpo dessa mulher como uma espécie de vaso. Chega um momento em que a planta se torna maior do que o vaso. Quando a planta é fraca, morre sem alimento ou ar. Mas quando a planta é forte, trinca e quebra o vaso, ganhando o mundo ao seu redor. Ao final de sua existência, que pode durar um dia, meses ou anos, a mulher amada está certa de que vive o seu fim.

Porque a essa altura, ela já não pode mais continuar existindo de forma paralela ao amor que carregou em si esse tempo todo. Ao se fazer mulher amada ela perdeu sua identidade. Como pode uma mulher amada viver sem amar ou ser amada? Para os poetas mais radicais ela deve sim morrer junto de seu amor, aliás, devem ser enterrados na mesma cova. Para outros, se ela continuar viva terá uma existência vazia e sombria, levada sem dúvida alguma ao suicídio. Ao menos na Terra, não há chance de encontrar algo tão grandioso para preencher sua vida quanto o amor que cultivou.

Porém, ao morrer, a mulher amada não apodrece ou cheira mal como outras criaturas. Ela é elevada. O amor maior, tido como glória e transformado em castigo, a purificou de tal forma que a conduz ao reino dos céus. Lá, poderá gozar de outras formas de amor, menos corrosivas e ainda mais redentoras. No entanto, depois de tamanha odisséia, ela ainda pode escolher em habitar o inferno, alimentando de amor os desamorosos que ali habitam. Pode se aproveitar deles, sagrar-se sua rainha, coroada a partir de tentações e desejos.

Independentemente do cenário pós-morte escolhido pela mulher amada, o fato é que ela continuará viva nos versos de poemas, nas notas de canções, nos óleos da pintura, nos movimentos da dança, nas falas do teatro, enfim, nos palcos onde ela foi eternizada como mulher amada. E assim continuará sendo vivida por muitos e muitos séculos na imaginação e no sonho de muitos homens e mulheres que irão sempre querer amá-la ou sê-la por alguns segundos que sejam. Homens e mulheres que jamais saberão, ao certo, o que de verdade aconteceu no nascimento, na vida e na morte da mulher amada, consumada pela própria ilusão.

Consummatum est.


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