Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
18/09/2008 - À beira da jabuticabeira

No fim de um caminho de pedras arrebitadas, por entre um pé de primavera e espadas de São Jorge, eis uma jabuticabeira. No correr de suas galhas, um único exemplar da negra fruta. Minhas mãos pedem licença ao dono das frutas, que não estava por ali, e apanham a jabuticaba. Tão logo a possuo, minha boca se transforma em um engenho, tirando todo o doce daquela espécie de açúcar do desejo. Os olhos procuram, reviram, vasculham e nada de encontrar outras bolinhas-de-gude penduradas naquela árvore de traços infantis. Só havia aquela que já percorria os sulcos de meu corpo provocando divinas reações químicas, físicas, psíquicas.

Num piscar de olhos, aquela árvore minúscula cresce como o pé de feijão de Joãozinho. Ah! Não estou no sítio do seu Líbio, mas aquela jabuticabeira parece ter saído de lá. E assim como naqueles velhos tempos, não penso duas vezes antes de escalar a árvore. E então me esguio pelos galhos, me penduro, tranço as pernas, me viro e reviro, espicho a coluna e chego mais próximo da barriga do céu. Mas com todo cuidado para não derrubar as frutas. É uma operação delicada, mas saborosa. As jabuticabas vão roçando o rosto, impregnando seu perfume secreto em meus poros entreabertos.

Contorcionismos depois, eu deito naquela cama negra. Fico ali, entre carreiras de jabuticabas que na mais frágil mordida, liberam um elixir. Será a fonte da juventude? Será o portal para um mundo mágico? Será, o que será? Só sei que o planeta para de rodar e os relógios de girar. O único barulho que há é o estouro das jabuticabas e o zumzumzum de uma abelha. Abelha? Pois é, uma abelha-de-caixão inventou de compartilhar das minhas frutas. E ela está faminta. Fui me esquivar dela, perdi o equilíbrio e fui direto ao chão. Era a abelha da realidade. A árvore havia voltado ao seu tamanho criança, seus galhos estavam pelados e a doçura da jabuticaba havia se transferido para lábios da mulher amada. Lábios de Marilene, à beira da jabuticabeira.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar