Daniel Campos

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08/03/2008 - Parabéns pelo seu dia

Ela acordou de um jeito que não costumava acordar. Horas antes e com um sorriso no rosto. Geralmente ela acorda tarde e com um mau-humor doentio. Mas hoje foi diferente. Abriu os olhos num contentamento estonteante. Pulou da cama, procurando algo. Vasculhou todo o quarto. Debaixo da cama, dentro do guarda-roupa, atrás da cortina. Pegou o telefone celular e começou a desbravar possíveis chamadas. Depois de ausências e desencontros, o sorriso começou a ficar desbotado.

Decidiu então tomar um banho. Quem sabe assim acordava de seu pesadelo. Os olhos escorriam como os fiapos de água vindos do chuveiro. Calma! Calma! Repetia em seu íntimo. Decidiu sair do banheiro e enfrentar a realidade. O quarto parecia um imenso deserto. Ela se sentia um cacto. Solitária e entregue a um sol-ardor que a devorava. Onde estavam os buquês de rosa? Onde estavam os bombons? Onde estavam os "parabéns pelo seu dia" e outros tantos dizeres bonitos.

Onde estavam os telefonemas? Onde estavam os abraços? Onde estavam os cumprimentos? Onde estava o café da manhã especial com frutas e geléias? Onde estavam as músicas entoadas a meia-voz? Se é que existiu fora de seus desejos, todo esse cenário se desintegrou quando ela abriu os olhos. Mal havia começado o dia e decidiu dá-lo por acabado. Teve todas as vontades do mundo de voltar para debaixo dos lençóis e dormir até o dia seguinte. Queria esquecer o dia oito de março. Mas antes de colocar uma pontuação final em suas esperanças, resolveu ir até à janela.

Quando olhou para o que acontecia lá fora, seu mundo girou girou girou... Mulheres espancadas, mulheres ameaçadas, mulheres aprisionadas, mulheres açoitadas, mulheres mal-amadas, mulheres desrespeitadas, mulheres desconsoladas, mulheres hostilizadas, mulheres agoniadas, mulheres desvalorizadas, mulheres exploradas, mulheres abandonadas, mulheres desempregadas... Mulheres condenadas pelo fato de nascerem mulheres em um país machista.

Depois de tantos giros, ela caiu. Caiu na cama. Caiu em pranto. Caiu em si. Afinal, seu dia já era um desejo explícito de parabéns.


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