27/05/2011 - Palavras à mão
Quando escrevo, esqueço as teclas do teclado. Penso somente na caneta deslizando, como uma bailarina, pelo papel sem pautas. Em cada variação de letra ou em cada pausa mais corrida, deparo-me com a manifestação explícita do sentimento. Escrevo ao ritmo do vento que me dita linhas e versos. Um ritmo que varia, que oscila, que palpita. Não me preocupo com a caligrafia, minha letra segue quase ilegível até mesmo por mim. É como um código poético, aberto apenas pela chave da alma.
Letras correntes como água vinda da fonte. Letras lançadas ou cravadas na página, conforme o impulso, o instinto, a inspiração dominantes. Ao contrário do barulho das teclas pressionadas pela ponta dos dedos, o choro do parto das palavras nascidas do ventre das mãos. As palavras vão se acomodando sem muita ordem. Qualquer obediência às regras da formatação poderia por fim ao processo criativo em curso. Escrever à mão é uma tarefa delicada como esculpir um rosto ou prescrever uma receita médica.
A tinta escorre pelo papel como uma espécie de sangue que não necessariamente é vermelho. Escrevo, quase sempre, com o sangue azul dos nobres. Não há tempo para pensar no que se está escrevendo. É preciso ir adiante e dar asas à escrita. Também não há espaço para puritanismos. É preciso tratar as palavras de forma sagrada, mas cometer diversos pecados para alimentar o prazer de escrever. Por entre as palavras recém-nascidas, fiapos de música, passos de dança, uma ou outra voz, sinais evidentes da floração das palavras.
Por essas e outras, não dá para industrializar, mecanizar, artificializar o processo da escrita. Máquinas à parte, eu preciso ter um contato pele a pele com as palavras. Sentir suas texturas, seus perfumes, seus sabores, suas quenturas, suas formosuras. É preciso encontrar as palavras sem quaisquer barreiras, da forma mais pura possível e impossível. As palavras precisam ser colhidas, geradas, amamentadas como seres vivos. Afinal, palavras são pedaços de nós. Pedaços de sombra e de luz.
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