Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
01/02/2013 - Chuva contínua

O sol está afastado por tempo indeterminado. Ordens soberanas. Enquanto isso, a chuva dá expediente todos os dias. Amanhece, entardece e anoitece chovendo por aqui. Tudo cheira à chuva. As coisas mais diversas passaram a ter gosto de chuva. Há uma textura chuvosa que extrapola os limites físicos e infiltra em nosso imaginário. Sim, a chuva que molha nossa pele, que encharca nossas roupas, que nos banha do cabelo ao dedo mindinho também encontra o nosso interior, o nosso avesso, as nossas entranhas. A chuva é tamanha que promessas se afogam, segredos se transformam em náufragos e sentimentos queimados, arrancados, esturricados, brotam com viço. Os pássaros fazem reboliços escapando das gaiolas do nosso coração. O verão vira inverno. O outono passa a ser primavera. A chuva cria sua própria estação.

Isso sem contar que há um verdadeiro balé contemporâneo de guarda-chuvas pretos e sombrinhas coloridas acontecendo de forma gratuita pelas ruas. E os casais de namorados andando juntinhos na tentativa de se aquecer e de não se molhar. E os outros casais não menos enamorados que fazem da chuva um palco para suas danças. Sem falar que o beijo na chuva ganha um sabor completamente diferente. A chuva faz com que a mulher tire o que há de mais elegante em seu guarda-roupa. A chuva concede um charme especial à existência humana. A chuva continua sublima nossa vida sertaneja, repleta de estiagens e sequidões, lembrando-nos que somos feitos de água. Na chuva, aproximamo-nos ainda mais de deus, voltando a ser barro.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar