Daniel Campos

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27/07/2010 - Capítulo 41

O resgate da fé

No visor do celular de Sebastian reluz o número do telefone da menina que o promotor quase matou em um acidente de trânsito meses atrás.

- Oi Susana. Que surpresa. Como está?

- Sebastian, não é a Susana quem fala.

- Vocês de novo. Não estão satisfeitos com tudo o que já me fizeram de ruim. O que mais querem de mim? Seus umbralinos do inferno...

- Calma.

- Como pode ter o cinismo de pedir para que eu me acalme? Aliás, como tem a coragem de se apoderar do corpo de uma garotinha como Susana? Deixe-a em paz!

- Vai me deixar falar?

- Tenho outra escolha? Se eu desligar vai me ligar de novo ou me infernizar de outra forma, não é? Melhor ouvir logo o que querem. Mas saiba desde já que eu não tenho medo de vocês.

- Não precisa ter medo. Não sou quem pensa que é.

- Se não é umbralino, é quem? Lúcifer?

- Bem que me avisaram que seria difícil conversar com você.

- Queria o quê? Que eu lhe convidasse para um drinque? Ou melhor, que eu fizesse um jantarzinho para lhe agradecer pelos serviços prestados?

- Chega! Escute-me.

Sebastian sente um calor intenso percorrendo seu corpo, que faz formigar ao mesmo tempo em que dá uma sensação de tranqüilidade.

- Meu nome é Klaus. Sou um espírito de luz.

- E como vou saber se está ou não falando a verdade?

- Perdeu a fé? Onde está aquele menino que acreditava piamente em Deus, em São Miguel Arcanjo, em Nossa Senhora...

- Eles me abandonaram.

- Não blasfeme. Suas palavras têm um poder maior do que imagina. Será que não aprendeu nada com sua castigação?

- Mas São Miguel jamais veio falar comigo. Jamais veio dizer que eu podia confiar nele, pois estava do meu lado. Nem sei se um dia ele ouviu minhas orações. Devo ser muito insignificante para ele me dar valor.

- Há uma hierarquia no plano celestial que precisa ser respeitada. Um arcanjo não pode descer toda vez que alguém o chamar. Existem muitos outros espíritos que cumprem esse papel.

- Espíritos como o senhor?

- Tudo depende de você acreditar.

- E por que o senhor só apareceu agora?

- Eu praticamente nunca desço para falar com ninguém. Há muitas impurezas nesse mundo em que você se encontra que me atrapalham de fazer meu trabalho. Depois desta conversa precisarei me purificar por algumas horas. Não há como vir aqui e não se contaminar com essas energias ruins. Não é todo espírito de luz que consegue descer e suportar essa carga de negatividade, de inveja, de ódio que cobre a superfície da Terra.

- Mas eu não tenho culpa...

- Tem sim. Um simples pensamento negativo seu soma-se a outros pensamentos e atos impuros formando uma imensa camada energética que só faz afastar cada vez mais o Céu da Terra. É uma pena que vocês não percebam que tudo o que fazem aqui reflete no Universo.

- Mas Jhaver já desceu para falar comigo, Giulia...

- Como disse, há uma diferença vibracional muito grande entre um espírito e outro. Por isso somos designados para fazer trabalhos diferentes. Jhaver enquanto castigador conseguia transitar facilmente entre os mundos. Giulia é a médica de Malena. Tem autorização para descer quando necessário. Com o tempo, você terá contato com outros...

- De que me adianta se eu não posso vê-los?

- Nunca podemos ter tudo o que queremos. Você ainda não desenvolveu sua visão espiritual, mas já consegue me ouvir quando eu uso outro corpo como veículo. Muitos jamais vão ter a oportunidade de viver essa experiência.

- E por que o senhor não desceu em Celeste, Stéfano ou em outro médium?

- Preciso usar um elo que tenha poderes mediúnicos e pureza de espírito. É preciso utilizar um corpo que tenha vibrações semelhantes as minhas. Não podemos ir descendo em qualquer um. Por isso, optei por Susana. Mas não se preocupe. Ela não vai sofrer nada com isso. Depois de eu terminar, vai ter uma leve sonolência e pronto. Não irá se lembrar de nada.

- Desculpe pelo mau jeito, é que eu tenho passado coisas que o senhor não imagina.

- Engano seu. Eu sei de tudo o que passa com você. Mas não pode perder a fé. E, nos últimos tempos, sua fé ficou bastante estremecida.

- Perdoe-me novamente pelo que eu vou dizer, mas para vocês que estão de fora tudo é fácil. O senhor sabe como eu me sinto? Tiraram de mim o meu filho, a minha esposa, a minha carreira, a minha dignidade, o meu amor próprio e, até mesmo, a minha fé.

- Não lhe tiraram nada. Você se privou dessas coisas quando teve certas atitudes. Tudo o que semeamos, por menores as sementes, vamos colher um dia para o nosso bem ou nosso mal.

- Já estou cansado dessas lições de moral.

- Você se cansa fácil demais. Esse é o seu problema. Tudo o que diz que perdeu ainda dá tempo de recuperar.

- Queria acreditar cegamente nisso. Porém, Malena não quer mais me ver.

- A vida é uma obra inacabada. Tudo é uma questão a ser trabalhada. Você precisa ter fé e trabalhar para reconquistar sua esposa.

- Celeste me falou que Jhaver tirou a marca do castigo do meu espírito. Porém, nada mudou desde então...

- Nada se resolve em passe de mágica. Os milagres não têm os efeitos cinematográficos que imaginamos. Além disso, reclama de quê? Qual é a coisa que mais ama na vida?

- Malena.

- Pois bem. É graças a Jhaver que ela está viva. Quer milagre maior que esse?

- Ela está viva, mas não está comigo.

- O egoísmo é um pecado tão mesquinho...

- Mas eu não tenho mais a marca dos castigos e sofro do mesmo jeito.

- Você sabe que está errado. Jhaver não vai mais lhe castigar. No entanto, as conseqüências dos castigos ainda estão em aberto. O passado não desaparece só porque queremos. Além do mais, você não está mais marcado para atrair castigos e umbralinos pelo chicote de Jhaver. Isso é um ganho imenso para você. Contudo, está marcado para sempre pela atitude dele. Muitos querem destruir o homem que fez o maior dos castigadores se arrepender.

- Meu Deus, eu não vou ter paz nunca!

- Não blasfeme a sua sina.

- Quer que eu agradeça?

- A todo instante. É agradecendo que se alcança o que se quer.

- E que sina é essa?

- Você é o responsável pela queda do castigador. Você é uma pessoa especial, que não se dá conta disso. E não se esqueça de que os umbralinos não estão preocupados com pessoas ruins. Essas já pertencem ao mundo deles. Eles querem atrapalhar quem está no caminho da luz. A guerra é entre espíritos das sombras contra espíritos iluminados, sejam eles desencarnados ou não.

- Preciso lhe confessar algo: eu tenho guiado minhas preces a Jhaver.

- Eu sei disso, meu filho. Quando ninguém acreditava naquele anjo negro, quando todos tentavam destruí-lo, você teve fé nele. Por isso que eu acredito em você e estou aqui agora. Você é especial.

- Estou perdido. Preciso de ajuda para reconstruir a minha vida.

- A principal pessoa que pode lhe ajudar é você mesmo.

- Como assim?

- Você encontrará muitos obstáculos em seu caminho. Faz parte da sua provação. É como se fosse o sobrevivente de uma grande guerra. Muitos morreram, adoeceram, perderam coisas e pessoas que amavam. Agora, mesmo com todas as dificuldades, saudades e feridas, cabe a você, e somente a você, reconstruir sua cidade. Se ficar reclamando, fortalecendo o desânimo e a descrença ou esperando que alguém faça algo por você, sua cidade continuará destruída. Ao contrário de pedir ajuda, ajude.

- Mas...

- Malena precisa de você. Micaela, Tomas, Valentina, Alicia e muitas outras pessoas também. Precisamos daquele Sebastian forte, amoroso, capaz de dar a própria vida pela felicidade daqueles que ama.

- Eu estou conversando com Micaela, tentando ampará-la nessa questão da gravidez, mas é difícil. Não estou próximo o suficiente. A mesma coisa com Tomas, que precisa do colo da mãe.

- Eles precisam de Malena. Mas também precisam de um pai capaz de amá-los. E isso você é capaz de fazer.

- Valentina me esconjura.

- Tenha paciência. A mesma paciência que ela teve com você esses anos todos. Como um dos últimos castigos, você está pagando pelo que fez com ela. Ou não notou que os papéis se inverteram. Você que sempre a desacreditou, agora é desacreditado por ela.

- E Alicia? Não sei por que devo ajudá-la? Ela só me prejudica.

- Aos poucos você vai descobrir formas diferentes para ajudar cada uma dessas pessoas. Basta você se dispor a fazer isso.

- Mas e a minha ajuda espiritual?

- Nós estamos ao seu lado. O plano superior se dividiu com essa história de Jhaver, mas há muitos espíritos de luz dispostos a lhe ajudar. Agora, como eu lhe disse, não espere que um exército de anjos irá aparecer para lhe defender. É preciso aprender a aceitar pequenos gestos. Aliás, a grandeza do gesto de Jhaver é algo que vai além da sua capacidade de compreensão. Ao menos, nesse momento.

- E como vocês vão me ajudar?

- Orientando suas atitudes, seus passos. Mas para que nós lhe ajudemos é necessário que você se ajude.

- Tudo é tão abstrato. Faltam certezas.

- A fé é invisível, no entanto, é capaz de muito. Por meio da fé, abrem-se mares, ressuscita-se, transforma-se água em vinho e regeneram-se corações. Foi por meio da fé de uma pessoa que Jhaver deixou de ser castigador. E esta pessoa é você.

Sebastian emudece.

- Tenho pouco tempo. Vou direto ao assunto que me trouxe aqui. Você já sabe que Jhaver tirou a sua marca do castigo e foi punido por isso. Tenho induzido Celeste a lhe contar algumas coisas.

- Ela tem me ajudado muito, realmente.

- E como diz que não tem ninguém lhe ajudando?

- Tem razão. Reclamo demais. É que estou com medo.

- O medo, este estranho sentimento que alimenta os fracos e os corajosos de formas diferentes. Alimenta de fraqueza os primeiros e de coragem os segundos. Jhaver foi localizado. Mas está em um lugar onde espírito de luz algum é capaz de chegar. Precisamos de alguém encarnado disposto a arriscar a própria vida por ele.

- Podem contar comigo.

- Eu já sabia dessa resposta, só precisava ouvi-la da sua boca.

- Seu Klaus, o senhor acha que fiz a escolha certa? Que vamos sair vitoriosos?

- Tum, tum, tum...

Definitivamente, essa é uma pergunta que só a fé de Sebastian será capaz de responder.


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