17/11/2010 - Boca adormecida
Quantos hologramas se escondem nos lábios da mulher que dorme ao lado. Ao lado do homem, do mundo, do tempo que passa. A cor dos lábios ganha uma textura orvalhada, como se dormisse ao sereno. A temperatura dos lábios é desconhecida, afinal, tocá-los é um risco, uma vez que o sono é tão delicado quão a mulher. E eis a tentação, a prova de um amor que superara o físico, velar o sono dos lábios da mulher amada sem despertá-la num beijo. Que os beijos sejam lançados à distância, no auge da contemplação.
Quanto de sentimento e sonho escapa pelas brechas da boca da mulher que dorme ao lado. Ao lado de um apaixonado, de um tarado, de um amor alado, pronto a voar tomando aqueles lábios por asas. Voar, beijar, voar... Quantos os desejos adormecidos ali, naqueles lábios. Quantos os veleiros atracados ali, naqueles lábios. Quantas luas crescendo e minguando ali, naqueles lábios. Quantos entregariam a própria vida para jazer ali, naqueles lábios, naquela boca adormecida.
Monet, Cézzanne, Chagall, Delacroix, Matisse, Pissarro ressuscitariam somente para copiar aquele sorriso em uma de suas telas. Diante dos lábios dessa mulher o vento passa mais devagar, os gnomos e os duendes caminham na ponta dos pés e a lei da gravidade é burlada por inúmeros amantes. Com os olhos fechados, os lábios passam a ser a principal via de acesso à alma da mulher. Ainda mais lábios entreabertos, que deixam escapar sopros de inspiração.
Quantos poetas nascem e renascem a partir de uma boca adormecida.
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