Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
15/04/2008 - A televisão não conseguiu voar

Pronto! Agora estou mais aliviado. Tirei um peso da alma. Não sabia que o fato de jogar a televisão pela janela me faria tão bem. Já estava ficando angustiado, nervoso, depressivo. Sou jornalista, mas não suporto o jornalismo da repetição. Ouvir uma vez já basta. Se nem filme de ficção eu suporto ver à exaustão, o que dizer de um pedaço de realidade. Isso sem falar que esses pedaços são crus e totalmente indigestos.

O caso dessa menina que foi assassinada e jogada do sexto andar de um prédio foi a gota d'água. Dia e noite, noite e dia, os telejornais só falam nisso. Uma verdadeira tortura para a família, para os amigos e para milhões de meros telespectadores como eu. Entrevista com mãe da vítima, com avô da vítima, com delegado, com procurador, com porteiro, com vizinho, com tia... chega!!!!!!!

Bons os tempos anteriores à era da televisão em que o único meio de notícia era o rádio, que privilegiava a música, as radionovelas, os programas de auditório. Agora, a informação abusiva e, por que não obsessiva, esmaga toda e qualquer esperança de cultura. Ao contrário de entretenimento, de um meio de relaxar, a televisão virou uma realidade pior do que a que acontece nas ruas, no ambiente de trabalho, nas trincheiras diárias que enfrentamos. Tudo o que eu não quero ver está na televisão.

Melhor ainda o tempo em que a notícia era restrita ao armazém da vila. Os fazendeiros, os trabalhadores, os moradores se encontravam entre sacas de farinha e copos de cachaça e faziam as notícias circularem de boca em boca. Era uma época em que se ia ao encontro da notícia. E o encontro era casual e saudável. Hoje, é ela que quer nos possuir, quer entrar em nosso cérebro, quer neutralizar a nossa capacidade de pensar e sonhar.

A TV nos entrega um mundo capturado, preso, amordaçado. Mais do que uma caixa, ela é uma enorme jaula. Além de aprisionar mundos e fundos, ela tenta nos pegar. Por tudo isso, eu não me arrependo de ter arremessado a televisão pela janela. E não fiquei com sentimento de culpa porque se ela fosse tão mágica assim, teria conseguido voar. Não teve asas ou balões, caiu como pedra e se espatifou no concreto.

Com a televisão, joguei boa parte das informações desnecessárias que ocupavam meu cérebro. Agora, tenho mais tempo para conversas, poesias, músicas, livros. Ou, simplesmente, para ficar em silêncio contemplando os olhos alaranjados de uma gata que a televisão não conseguiu capturar.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar