Daniel Campos

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25/03/2011 - A mulher e as trovoadas

Quando ela ouve o ronco da trovoada, estremece-se toda. Sua pele treme, sua boca empalidece e seu olhar entonce querendo colo, abrigo, defesa. Quando o céu faz zoada, como um zangão gritando mel, ela se esquece até das palavras daquela oração que aprendeu quando ainda usava véu. Seu corpo fica ouriçado, frágil e assustado ao mesmo tempo. É só um trovão, mas ela corre como se corresse de um leão.

Se eu fosse anjo desceria pelos relâmpagos como um cavaleiro só para confortá-la em minhas asas. Mas eu sou demônio e, nesse caso, chamo mais e mais trovões para que ela enlouqueça e padeça em mim. Não que ela mereça tanto sofrimento, mas eu a mereço num sentimento bruto e sem fim. E os trovões vão deixando-a nua de histórias e memórias. E mesmo não cultuando os céus, não escondo que dou glórias e mais glórias a cada estrondo.

Ela se bate, se debate e rebate o ronco com gritos. Os trovões a levam ao transe. É como se o deus das trovoadas lhe alvejasse a cada estralo fazendo ela se abrir. Abrir em confissões. Abrir em carne. Os trovões a jogam no chão, rasgam sua roupa, descabelam-na. Os trovões que vão ecoando pelo arvoredo afora arrancam-lhe segredos, botando-lhe medo e punhados de sal no pranto de quem o chora.

Quando há trovões ela chega e jamais vai embora, tampouco me põe pra fora.


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