Se você a encontrar

Se você a encontrar, esconda-se, por alguns instantes, e tente capturar o universo singular que a cerca. Se você a encontrar, em nenhum momento tenha a ilusão de que ela não está ou estava lhe observando. Se você a encontrar, não tenha medo de ter medo. Se você a encontrar, siga-a por onde for (ah conta-me os passos dela), mesmo que jamais conseguia segui-la por completo. Se você a encontrar, traga-me o que ela lhe deixar trazer. Se você a encontrar, diga tantas coisas já ditas, ou melhor, diga o silêncio (um silêncio com ares de reencontro). Se você a encontrar, analise as suas frases semanticamente, psicologicamente e vinicianamente.

Se você a encontrar, anote a pulsação, a temperatura, a coloração com uma precisão que jamais pensara fazer uso um dia. Se você a encontrar, consulte as luas e as marés (se der lua cheia e maré alta, reze as rezas que lhe vier à cabeça). Se você a encontrar, veja se ela navega pelo vento em busca de um mar. Se você a encontrar, conseguirá qualquer informação se fizer bom-tempo nos olhos dela. Se você a encontrar, não se acanhe em perguntar coisas íntimas, como o tempo e a distância (se ela lhe confessar alguma coisa, faça-a assinar contrato e reconhecer firma no cartório mais próximo. Se você a encontrar, saberá a cor dos olhos da saudade (e quem sabe, o que passa nos olhos dessa saudade). Se você a encontrar, controle a respiração. Se você a encontrar, saiba que os altares estarão vazios.

Se você a encontrar, não se despeça, em hipótese alguma (um até breve, pode ser tarde demais). Se você a encontrar, notará a tarde e o tarde demais em planos completamente divergentes. Se você a encontrar, tente descobrir a sua ausência. Se você a encontrar, consulte um psicanalista, logo em seguida. Se você a encontrar, traga-me um pouco da areia daquele deserto que a cerca. Se você a encontrar, guarde com trancas as imagens que ficarem submersas no ar (mesmo que todas essas imagens pareçam falsas, impossíveis, irreais). Se você a encontrar, não lhe deseje sorte, felicidade, sucesso (porque esses desejos implicam em futuro e futuro implica em distância e distância implica em ausência).

Se você a encontrar, faça um curso intensivo de alquimia para tentar entender as suas reações. Se você a encontrar, logo após ela desaparecer (porque ela não se vai, ela, infortuitamente, desaparece), beba um bebida forte (assim, ao menos, terá uma desculpa para a sensação de ressaca que ela irá deixar em você). Se você a encontrar, será absolutamente normal que o mundo se acabe num ângulo ainda não inventado. Se você a encontrar, talvez viva a sensação de estar sozinho num barco que segue sozinho num oceano não menos sozinho. Se você a encontrar, não se assuste com uma friagem que escorre pelas vértebras, uma a uma.

Se você a encontrar, não crie nenhum vínculo com as horas. Se você a encontrar, cuidado para não queimar seus olhos na chama de um isqueiro. Se você a encontrar, marque outros encontros (mesmo com a certeza de que ela não irá). Se você a encontrar, lembre de tudo o que eu consegui entender a tempo. Se você a encontrar, não desvie a atenção, faça da bomba-atômica um festim. Se você a encontrar, o quase nada será o todo.

Se você a encontrar, não tente nada premeditado, porque talvez ela seja a face feminina do acaso. Se você a encontrar, mesmo sob um sol ilícito, verá nela uma penumbra digna do abandono de uma tarde. Se você a encontrar, calcule a posição dos últimos sóis, que corriqueiramente, marcaram-na. Se você a encontrar, todo o cuidado é necessário, porque os caminhos que se esparramam em sua frente, enchem-se de vãos. Se você a encontrar, escuta cada pedido feito por ela como sendo um pedido final.

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