Daniel Campos

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Parto

Sem o de repente de costume,
Da saudade nasceu o escândalo
Nasceu sem maiores alardes
Sem maiores tramas
Sem grandes dramas
Nasceu como lágrima de inverno
Lágrima que escorre em contextos
Textos
E com tantos outros pretextos
Singulares
Quem sabe a primavera?
Musa do Olimpo!

Durante o parto,
A luz, a música, o nada e o tudo
E, diante dos rompantes do amor,
O tudo é sempre o nada
E o nada subverte a ordem
E libera a imaginação
Vindo à luz
Anjos
Constelações de anjos
Vão cuspindo
Com suas bocas virgens
Labaredas de fogo
Demônios
Legiões de demônios
Vão tocando
Com suas unhas corroídas
As cordas das harpas

Sem estrondos
Sem profecias
Sem dores extras
A lua cai do céu
No colo de uma mulher
Que até então era apenas
A senhora do parto
Ela, filha de eva, de zeus, de poseidon
De algum deus, de algum titã
Será de prometeu?
Ah! Será que prometeu
Prometeu a essa mulher
A promessa ainda não cumprida
E ela rodou rodou rodou
Nas voltas de uma ilusão
Em trabalho de parto?

Que venha o parto
Quero a mulher que se faz de olhares
E dança na contradança do silêncio
Mulher que não se sabe
Mulher que não se escuta
Mulher que não se prevê

Ah! Eu quero o imprevisto nos passos da mulher
Que há de se fazer amada
Pelo simples prazer de ser e viver e sofrer
Amada
Que se cumpra às profecias
Que se cumpra às escrituras
Que se cumpra os tratados escritos ou não
De agora em diante,
Do grão de areia ao universo
Do ser mais perplexo ao mais sem nexo
Do espírito mais cotidiano ao mais complexo
Todos terão suas escritas
Poetizadas
Nas costas dessa mulher
Que não tem costelas
Mas versos
Interligados
Compondo o seu eu.

Anjos ou demônios
Dêem-me essa mulher
Que se transforma em fases
Em ciclos cíclicos
Ciclos lunares
Ciclos menstruais
Quero a mulher que tem olhares petrificados
De desejo
E avança e flutua e caminha
Como pedras submersas de uísque
Saravá Vinícius de Moraes!
Quero a mulher que leva em si
Apenas si própria
Nada além nada aquém
Disso.

Quero a mulher que se condena por ser acima
De todas as culpas
Quero a mulher que traz e que traga
Em seus lábios
Todas as desculpas
E que haja um novo apocalipse
Algo que chacoalhe
Os quatro evangelistas
No exato instante
Em que essa
Mulher der a luz
A mulher infante.

Ah! Quero a mulher que não existe
Quero a mulher triste
A mulher abrupta
Quero a mulher pequena
Mulher que semeia
Tanto dentro de mim
E deixa a colheita a sua espera.
Quero a mulher que não se contêm
Quero a mulher sem limites
Quero a mulher que não se prende
Quero a mulher plural
Plural de vida
De caminho
De paixão
De crepúsculo.

Quero a mulher serpente
Quero a mulher maçã
Mordida
E proibida
Quero a mulher em oração
Jurada pela fé
Mais irracional possível
Quero a mulher de silêncio
Quero a mulher jejuada
Quero a mulher que arrebata
Os sonhos mais selvagens
E os leva em seu vente
Durante meses a fio

Quero a mulher que não existe
E que ela me faça
Amar
Como o pecado incurável
Da minha própria salvação.


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