O todo
O que mais poderia embalar meus passos
Sustentar meus versos fracos
A minha razão
E a minha falta de razão
Minha vida que se posiciona como um dominó enfileirado
O que mais poderia me mover senão
A mulher amada
Os tempos mudaram
Mas eu ainda prefiro cartões e palavras em pétalas.
Eu ainda prefiro as flores.
Eu ainda prefiro as estrelas
Que sem gemidos ou gritos
Dão vida a uma luz inconstante
Também prefiro as serenatas
Uma rua e um violão nas costas
E uma garganta sangrando em versos.
Mas como ganhar a cidade com flores, estrelas e canções?
Seria demais para os tempos de hoje
Para a mulher de hoje
Para o amor de hoje
De fato, seria ridículo
E eu sou ridículo
E eu me quero ridículo
Não quero amar o plausível, o possível, o permitido.
Não quero amar
O amor censurado
O amor ensaiado
O amor moldado.
Eu fugi das escolas
Não li cartilhas
Não decorei versos
Minha formação
É feita de muita poesia e sofrimento
Sou formado, mestrado e doutorado em ilusão.
Entendo e nada explico.
Deixo-me iludir, na idealização da bem amada
Desde seu corpo até seus pensamentos
E assim divido o mundo em dois
O mundo da amada abstrata
E o mundo da amada concreta
Uma é feita de carne
E a outra de espírito
Duas mulheres distintas e longínquas
Mas que ao decorrer do caminho se cruzam
E seguem juntas numa só
Numa relação indivisível
Do encontro da mulher platônica e da mulher palpável
Surge o choque entre o endeusamento
No fruto do amor supremo e do amor caseiro
Posso beijar-lhe as mãos
Roçar seu rosto
Embaralhar-me em seus cabelos
Deitar meu texto em seu decote comedido ou mais abusado
Permanecer minutos infindáveis vidrado em seus pés
Provar a textura dos seus ombros
Dobrar-me junto às barras de sua calça
Desencontrar-me nos furos do seu cinto
Falecer-me em sua pele lunar.
E me esconder
Entre os dedos das mãos que surgem do nada
E acontecem em movimentos improvisados.
Vivo pelo "que" existente nos olhos
Que procriam prazeres e carências
Abrigo de solidão, carne e carmim.
Não, não necessito nada além daqueles olhos de redemoinho
Além da cor sei todas as visões
Os sonhos e os provérbios
Que se permitem aqueles olhos que ora
São castanhos, ora são negros, ora são verdes
Ora são dois pedaços de ilusão.
Desculpe, mas sou assim.
Alguém que faz e constrói
Reescreve, traga e foge
Só pra cair de cabeça
No eu da mulher amada.
Não meço conseqüências,
Apenas vivo momentos
Que compõe o todo da minha existência.
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