O senhor do tempo
Hoje é o último dia
De tantos dias
Que ainda serão últimos
Hoje o dia nasce
Como um ultimato
Nasce como uma edição
Uma montagem barata
De tantos outros dias
Que não foram últimos
E quiçá primeiros
Hoje, e só hoje, violam-se as regras
E o ar carrega na dose
De licença poética
Hoje o tempo é verbo
E verbo subjetivo
Hoje eu nasço
Simplesmente passado
Vivo um presente do pretérito
E sonho um futuro mais-que-perfeito
Hoje as marcas são ainda mais visíveis
E as reações ainda mais imprevisíveis
Hoje é preciso ter muito, mas muito cuidado
Com o guardado
Que há nas gavetas
Nos bolsos
Nos sótãos
Da nossa memória
Hoje a história
Surge de longo
E com muitas sombras
Hoje o dia é propício a tremores
As pernas
As pálpebras
As mãos
Tremem
Hoje é dia de visitas
E re-visitas a si próprio
Hoje é o dia da culpa,
Da esperança e do ópio
Hoje é o dia dos que não foram
Dos beijos que não foram
Das juras que não foram
Dos sonhos que não foram
Hoje é muito arriscado
Ter olhos nos olhos
Ficar mais de sessenta segundos diante do espelho
E conversar com os estranhos
Que moraram em você durante o último ano
Hoje é proibido pegar qualquer trem
Dizer que vai e não vem
E ceder ao falso francês do primeiro champanhe que encontrar
Hoje o gosto é de final
E se não houver um final completo
Haverá um espaço
Uma pausa
Um espasmo
Qualquer coisa que altere o metabolismo
Do movimento constante e uniforme da vida
Hoje é preciso afinal
Dizer adeus sem que haja dor
Hoje a morte é bonita
Porque tão logo tudo se vai
Tudo já nasce
Face
A magia do senhor do tempo.
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